Portugal pronto para um “torneio diferente” sem reiniciar o sistema

Paciência foi a palavra mais usada no lançamento do jogo com a Eslovénia, dos oitavos-de-final do Europeu. Roberto Martínez garante que a selecção “está preparada”.

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Bruno Fernandes durante uma sessão de treino MIGUEL A. LOPES / EPA

No momento em que terminou a conferência de imprensa de Portugal em Frankfurt, para o lançamento do jogo dos oitavos-de-final do Euro 2024, um jornalista francês sentado ao meu lado desabafou: “Não estou habituado a conversas tão interessantes”. Não estava a ser irónico. Primeiro porque Roberto Martínez tem o dom da palavra, depois porque Bruno Fernandes é um dos jogadores que melhor comunicam. O resumo possível de quase uma hora de interacção é este: a selecção portuguesa precisará de rigor e paciência para ultrapassar a Eslovénia (20h, RTP1).

Quem assistiu à caminhada de Portugal na fase de grupos do torneio perceberá por que razão se insistiu tanto na questão do trabalho com bola no último terço do relvado. A selecção foi dominadora diante da República Checa, mas precisou de um autogolo e meio para conseguir vencer (2-1). Contra a Geórgia, também engordou as estatísticas da posse, mas sofreu uma derrota surpreendente (2-0). Em comum estes dois encontros tinham o facto de o adversário ter assumido, sem problemas ou complexos, a organização num bloco baixo.

Nesse sentido, a questão que se impõe é simples, até porque a Eslovénia se tem destacado na Alemanha precisamente pelas virtudes defensivas e o guião para o jogo não deverá ser muito diferente do adoptado por checos e georgianos: o que será preciso fazer de diferente para ter um resultado a condizer com a teórica superioridade dos intérpretes portugueses?

“Temos de usar as nossas ligações e depois controlar o momento, desfrutar e usar o talento individual. Precisamos de ter paciência também, não podemos querer marcar golos sem jogar bem e isso é manter a baliza a zero”, alerta o seleccionador, corroborando a visão de Bruno Fernandes. “Teremos de ser pacientes, porque defendem com um bloco muito baixo, muita gente na área, são agressivos e fisicamente são muito fortes. Temos de cansá-los com bola, fazê-los correr”.

Por fora e por dentro

Essa foi, porém, a receita aplicada — com mais ou menos precipitação, mais ou menos erros técnicos — na primeira e na terceira jornadas, sem grandes resultados. E se tivermos em conta que a Eslovénia tem menos golos sofridos neste Europeu do que Portugal (dois contra três) e que não acusa minimamente o desconforto de jogar longos períodos sem bola (tem uma média de 36,7% de posse), haverá razões para alguma apreensão. Bruno Fernandes, com o desembaraço habitual, ajuda a contextualizar o problema.

“Quando os blocos são tão baixos, não existe espaço entre linhas e temos de lateralizar o jogo. Às vezes demasiado, mas é preciso ter paciência e não forçar. Diante da Rep. Checa não havia esse espaço. Fazendo cansar e tendo bola, estamos mais perto do golo. A Eslovénia defende muito bem, mas nós temos de encontrar soluções, se não der por fora temos de ir por dentro”, frisou o médio do Manchester United, desvalorizando a questão do sistema.

Não façamos confusões, a Eslovénia tem qualidade, organização e muito mérito (somou três empates na fase de grupos), registando apenas uma derrota nos últimos 15 jogos (diante da Dinamarca, na qualificação para o Europeu), mas chega à fase final do torneio apenas pela segunda vez na história. E a primeira foi já no virar do século, em 2000. Portugal, pelo contrário, ultrapassou a fase de grupos em todos os nove Campeonato da Europa em que entrou. Em matéria de experiência, estamos conversados.

“Depois de três jogos, a equipa está preparada. Amanhã [hoje] começa um torneio diferente. Temos 23 jogadores de campo que já fizeram a estreia. Acho que estamos preparados para jogar”, assegura Roberto Martínez, desvalorizando o percalço frente à Geórgia e esperando que a selecção portuguesa seja capaz de capitalizar os remates que vai acumulando — são já 54 na prova, contra 25 da Eslovénia.

“Como um clube”

Se Matjaz Kek, técnico da Eslovénia, continuar fiel àquilo que tem feito nos últimos meses, é de esperar uma equipa distribuída em 4x4x2, com um “onze” estável. Estável será um eufemismo, na verdade, se tivermos em conta que neste Euro 2024 abordou os jogos sempre com os mesmos 11 jogadores, com destaque para Jan Oblak na baliza e para Benjamin Sesko no ataque.

“É uma selecção que joga como um clube, com sincronização defensiva muito forte, pode passar muito tempo sem bola, mas é muito perigosa no ataque. Não sofre golos de bola corrida e para nós é um exercício fantástico”, acrescenta Martínez. O problema é que Portugal também tem sido pouco mais do que inofensivo nas bolas paradas, o que reduz o arsenal disponível para entrar na fortaleza eslovena.

Na verdade, quando as duas selecções se defrontaram em Março, na rota de preparação para o Europeu, não só Portugal não conseguiu marcar, como ainda sofreu por duas vezes. Um motivo extra de preocupação ou uma lição para aproveitar? “É um jogo diferente, mas a essência da Eslovénia é a mesma. Frente a uma equipa que gosta de jogar sem bola, precisamos de defender bem. Eles não precisam de muita posse para criar perigo. Se a Eslovénia marcar, o jogo é muito mais difícil”.

Foi o que aconteceu com a Rep. Checa. E com a Geórgia. Mas essa, para usar a expressão de Roberto Martínez, era uma fase em que Portugal estava a crescer. Agora, é tempo de provar que entrou na idade adulta e que tem maturidade para discutir uma eliminatória sem margem de erro. Até porque, a partir daqui, é só para gente grande.

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