Morreu Ismaïl Kadaré, figura maior da literatura albanesa

O escritor e ensaísta, voz incontornável contra a ditadura de Enver Hoxha, faleceu esta segunda-feira na sequência de um ataque cardíaco, em Tirana.

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Ismaïl Kadaré DR
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Com uma obra traduzida em mais de 45 línguas e distinguido com alguns dos mais relevantes prémios literários (Man Booker Internacional, Príncipe das Astúrias, Prémio Jerusalém), o escritor, poeta e ensaísta albanês Ismaïl Kadaré morreu em Tirana esta segunda-feira, aos 88 anos, na sequência de um ataque cardíaco, avançou a agência France-Presse.

Nomeado várias vezes para o Prémio Nobel da Literatura, Kadaré foi um dos grandes opositores da ditadura de Enver Hoxha (1908-1985) e uma voz incansável contra os totalitarismos.

Nascido em 1936, em Gjirokaster, no sul da Albânia, Ismaïl Kadaré testemunhou, em criança, a Segunda Guerra Mundial e a ocupação do seu país pela Itália fascista, a Alemanha nazi e a União Soviética. Em 1963, publicou o seu primeiro romance, O General do Exército Morto, que o tornou rapidamente num dos poucos escritores albaneses com projecção internacional. Neste livro, o autor narra as tentativas de um oficial italiano que vai à Albânia para recuperar os corpos de soldados mortos – mas em vez dos seus compatriotas, que não são encontrados, traz os restos mortais de soldados alemães.

Seguiram-se outros trabalhos altamente celebrados, como O Palácio dos Sonhos (1992), A Pirâmide (1994), Abril Despedaçado (2002), A Filha de Agamémnon e o Sucessor (2008), Três Cantos Fúnebres pelo Kosovo (2002) ou, mais recentemente, O Nicho da Vergonha (2018), todos estes publicados em Portugal.

A partir da interioridade e dos conflitos das suas personagens, e através de um registo sismicamente mordaz, Kadaré propõe na sua obra alegorias e releituras da História contemporânea – a olhar para a Albânia bem como para outros países sob o jugo de regimes totalitários, analisando os mecanismos de poder e de opressão por trás da tirania.

Tão reconhecido como perseguido, viu muitos dos seus livros serem censurados, ou mesmo proibidos, pelo regime de Enver Hoxha. Situação que provocava um certo contentamento ao autor, que não escondia a sua postura desafiadora: o fruto proibido é o mais apetecido, dizia, assinalando que assim as suas obras tornavam-se objecto de curiosidade e de valor para os albaneses (e não só).

Nos anos 1990, Kadaré virou costas ao regime comunista da Albânia e foi para França como exilado político, meses antes da queda do governo de Hoxha. O seu lema deixou de ser suficiente: "Se confiar na literatura, nada mais do que a literatura, ela será a sua protecção celestial. Nada lhe pode acontecer".

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