A história de Steven Van Zandt, crente no poder do rock’n’roll e da soul

Stevie Van Zandt: Disciple narra a vida do guitarrista da E Street Band de Bruce Springsteen que foi também Silvio Dante em Os Sopranos e combateu o apartheid.

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Little Steven em Stevie Van Zandt: Disciple DR
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No início dos anos 1980, Steven Van Zandt foi ao cinema ver O Acossado, de Jean-Luc Godard. Antes do filme, as colunas do cinema em Los Angeles passaram uma canção que o músico da E Street Band de Bruce Springsteen desconhecia. Ficou fascinado. Após a sessão, perguntou ao projeccionista o que é que era. Era Biko, de Peter Gabriel. Nunca tinha ouvido falar. Foi assim que descobriu o apartheid na África do Sul, já que a letra é sobre Steve Biko, o activista que foi espancado até à morte por seguranças do Estado em 1977. Passado pouco tempo, Van Zandt tinha deixado a E Street Band, mesmo antes de Springsteen se tornar uma das grande estrelas de rock dos anos 1980, estava no terreno a trabalhar com organizações e activistas e a liderar boicotes.

Em 1985, juntou uma improvável moldura humana de músicos para gravar Sun City, canção em que prometiam que não iriam actuar em Sun City, um resort de luxo situado numa zona para onde o Governo sul-africano tinha transferido a população negra. No ainda hoje inacreditável teledisco, realizado por Jonathan Demme, Lou Reed surge ao lado do actor e lenda da salsa (e ex-ministro do turismo do Panamá) Rubén Blades e John Oates dos Hall & Oates, Bruce Springsteen com David Ruffin e Eddie Kendricks dos Temptations e Bono beija a bochecha de um dos Fat Boys, o saudoso trio de rap. Tem ainda Darlene Love, Bob Dylan, Ringo Starr, Daryl Hannah ou Miles Davis, entre muitos outros. É uma espécie de We Are the World, mas focado num objectivo real, que teve mesmo resultados.

Esta é uma das várias histórias contadas em Stevie Van Zandt: Disciple, novo documentário da HBO, disponível via Max, sobre o escritor de canções, produtor, guitarrista, cantor, activista, radialista, actor e ocasional argumentista e realizador. O filme não vai tão longe, contudo, quanto o seu livro de memórias de 2021, Unrequited Infatuations, que é bastante mais cândido na ignorância e na bolha em que Van Zandt vivia até à epifania ajudada por Godard.

Van Zandt, conhecido como Little Steven ou Miami Steve, será sobretudo conhecido pelo trabalho ao lado de Springsteen, mas também, mais tarde, pelo papel como Silvio Dante em Os Sopranos. Era amigo de infância de James Gandolfini (Tony Soprano), o protagonista, e diz ter baseado a relação dos dois na relação entre ele e Springsteen. Foi um trabalho que lhe surgiu do nada – ele não era actor, David Chase, o criador da série, viu-o uma vez nuns prémios na televisão e chamou-o – e salvou-o da bancarrota numa altura em que não conseguia um contrato discográfico e a E Street Band ainda não tinha voltado. Era uma das peças fundamentais da cena musical de Asbury Park, Nova Jérsia, donde saiu, além de Bruce Springsteen, Southside Johnny, cujos Asbury Dukes foram fundados por Van Zandt, que lhe escrevia canções e produzia discos. Depois, trabalhou no reavivar de carreiras de nomes como a já mencionada Darlene Love ou Gary U.S. Bonds. A solo, hoje tem os Disciples of Soul, que pararam em 1990 e voltaram em 2016. Mais tarde ainda, dedicou-se à rádio e à divulgação de rock'n'roll.

O documentário tem duas horas e meia, uma duração que bate certo com o próprio Van Zandt, conhecido pelas roupas coloridas e exageradas e o lenço na cabeça. É assinado por Bill Teck, cujo maior crédito anterior é outro documentário com uma década sobre Romance em Nova Iorque, o malogrado filme do de Peter Bogdanovich do início dos anos 1980. Aqui, as cabeças falantes são o próprio Van Zandt, bem como vários colegas, de pesos mais ou menos pesados da música como Springsteen, Paul McCartney, Bono, o executivo Jimmy Iovine, Peter Gabriel, Rubén Blades ou Southside Johnny, passando por David Chase ou Chris Columbus, realizador de Sozinho em Casa 2, para quem Van Zandt fez uma canção de Natal cantada por Darlene Love. Também há a família, os irmãos e a sua esposa, Maureen Van Zandt, que também fazia parelha com ele em Os Sopranos – como não poderia deixar de ser, o casamento de ambos foi oficiado por Little Richard e teve Percy Sledge a cantar When a Man Loves a Woman no copo de água. É assim que faz este retrato de um homem que ainda hoje, aos 73 anos, acredita plenamente no poder inesgotável da intersecção entre o rock'n'roll e a soul. Com e sem política.

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