A alavanca inútil

Em breve haverá certezas absolutas sobre se a extrema-direita pode, de facto, ser uma “alavanca útil” para alguma coisa que não seja o seu próprio crescimento.

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Há 18 anos que a Economist Intelligence Unit (EIU), um departamento da revista The Economist, analisa o estado da democracia em 167 países. O último estudo disponível mostra que 2023 foi um ano “desfavorável para a democracia, com a pontuação média global a cair para o seu nível mais baixo desde o início do índice em 2006”.

Em 2023, 40% da população mundial vivia sob regimes autoritários e apenas 8% em democracias plenas. A pandemia, as guerras, a desinformação, a falta de cultura e participação política, o declínio das liberdades civis e o funcionamento deficiente do Governo e do Estado estavam entre as questões que mais contribuíam para o retrocesso democrático.

Há outros índices que analisam o estado das democracias (como o do V-Dem Institut ou o da Freedom House, e as conclusões são idênticas.

A democracia está a perder terreno e, mesmo na Europa, os regimes híbridos estão a aumentar. Portugal está na lista das democracias com falhas. França, não. França era, no ano passado, a 23.ª democracia plena do mundo (só havia 24).

No rescaldo do desastre eleitoral de 9 de Junho, e com a sua popularidade em perda, Emmanuel Macron fez uma jogada política arriscada que pode pôr em causa este lugar: dissolveu a Assembleia Nacional e convocou eleições legislativas antecipadas em França. O chefe de Estado entendeu que a ida a votos poderia servir para reforçar a aliança de centro e a “maioria presidencial”. Não contou que a esquerda se unisse.

“O seu raciocínio era que a força da extrema-direita poderia ser uma alavanca útil para forçar outros partidos moderados a superar a sua antipatia para com ele e a concordar em trabalhar em conjunto para que o seu Governo pudesse aprovar legislação, em vez de ter de recorrer à imposição de medidas por decreto”, explica a EIU numa análise recente.

Em breve, na segunda volta das legislativas, haverá certezas absolutas sobre se a extrema-direita pode, de facto, ser uma “alavanca útil” para alguma coisa que não seja o seu próprio crescimento. Mas os sinais (fortes) já aí estão.

As primeiras projecções dos resultados do acto eleitoral deste domingo, que bateu recordes de participação, mostraram que o voto dos franceses nas europeias não foi um equívoco. Macron já nem sequer é um dos pólos aglutinadores em França — a União Nacional de Marine Le Pen e Jordan Bardella voltou a vencer e em segundo lugar ficou a união das esquerdas (Nova Frente Popular).

Perante os números, Macron insistiu na sua receita inicial — uma aliança mais vasta para virar o jogo na segunda ronda —, enquanto a esquerda pediu a desistência de todos os candidatos que ficarem em terceiro.

Quanto à extrema-direita, neste ensaio eleitoral ela foi exactamente o que se podia esperar: uma alavanca inútil. Perde a democracia.

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