Quando foi a última vez que viu um pirilampo? Em Portugal, eles estão a desaparecer

Biólogos pedem medidas para garantir que gerações futuras poderão assistir às luzes dos pirilampos, que estão cada vez mais ameaçados pela poluição luminosa, perda de habitat e alterações climáticas.

Foto
Fêmea de pirilampo chama por um macho SÉRGIO HENRIQUES
Ouça este artigo
00:00
05:57

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Ainda se lembra da última vez que, numa noite de Primavera ou Verão, se afastou das luzes da cidade e avistou um pirilampo? Se esta frase lhe despertou memórias e se é uma experiência que gostava de repetir, saiba que a sobrevivência destes encantadores insectos está em risco. A população de pelo menos quatro espécies de pirilampo portuguesas está em declínio, mas há quem esteja a tentar trazê-las de volta.

Uma equipa internacional de biólogos encontrou-se em Portugal para medir o risco de extinção das espécies europeias de pirilampos e as conclusões a que chegaram não são surpreendentes, mas "deveriam ser preocupantes". Os resultados deste estudo foram anunciados esta quinta-feira pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), a organização que gere a maior base de dados do mundo sobre o risco de extinção de espécies: a Lista Vermelha, uma espécie de inventário do estado de conservação da vida no nosso planeta.

Para cada espécie (animal, planta, fungo ou outro tipo de organismo) é analisado o tamanho da população, a distribuição geográfica e as ameaças. A partir daqui, é possível avaliar o perigo de extinção e atribuir um estatuto de conservação, que pode ir de “menos preocupante” até ao “extinto”. Ao repetir-se esta avaliação a cada período de anos, obtém-se a evolução do estado de conservação de um dado organismo: se está a caminhar para a extinção ou não, se os esforços de conservação encetados estão a resultar ou não. Esta lista é a mais reconhecida e respeitada em termos de políticas de conservação e acção.

Foto
Pirilampo macho da espécie pirilampo-lusitânico SÉRGIO HENRIQUES

O estudo analisou quatro das espécies de pirilampo que podem ser encontradas em território nacional — o vaga-lume europeu (Lampyris noctiluca), o vaga-lume pequeno de lunetas (Lamprohiza mulsantii), o pirilampo-preto (Phosphaenus hemipterus) e o pirilampo-lusitânico (Luciola lusitanica) — e concluiu que todas estão em declínio.

O ponto de partida para este estudo aconteceu em 2022, ano em que teve lugar, no Parque Biológico de Vila Nova de Gaia, o Simpósio Internacional sobre Pirilampos. "Aproveitámos esse encontro com especialistas de todo o mundo não só para olhar para as populações que viviam no parque, mas também na zona em redor e um pouco por Portugal inteiro. E, claro, para juntar o conhecimento de todos os peritos e fazer a actualização da lista vermelha", explica ao PÚBLICO Sérgio Henriques, um dos autores desta análise, que tem monitorizado estas espécies em Portugal e noutros países.

O vaga-lume europeu, em particular, foi considerado globalmente “quase ameaçado”, por apresentar forte indícios de que num futuro próximo pode preencher os critérios para ser avaliado como “vulnerável”, “em perigo” ou “criticamente em perigo”.

Uma luz que precisa de escuridão

A capacidade dos pirilampos de produzir luz é uma das características que mais saltam aos olhos dos observadores. Este fenómeno, conhecido como bioluminescência, ocorre através de uma reacção química entre a luciferina e a enzima luciferase, resultando numa luz que não se restringe somente ao verde, podendo ser amarela e até mesmo vermelha, consoante a espécie em causa.

Foto
Há dez espécies de pirilampo registadas neste momento em Portugal Continental, mas a presença de duas delas precisa de ser confirmada, segundo o biólogo Sérgio Henriques Sérgio Henriques

Mas, afinal, o que torna os pirilampos tão especiais pode também ser parte da razão para o seu declínio. Isto porque esta forma de comunicar e encontrar parceiros depende de escuridão para que seja eficaz. Os biólogos afirmam que a proliferação de luzes artificiais levou a um aumento de poluição luminosa em espaços urbanos, rurais e mesmo áreas naturais, o que impacta a reprodução destas espécies e pode funcionar como uma barreira à sua dispersão.

A solução para este problema seria, nas zonas rurais e florestais, iluminar apenas as zonas utilizadas pelas pessoas, como passeios e zonas pedonais, e deixar na escuridão as áreas naturais que as rodeiam.

"O problema da poluição luminosa seria relativamente fácil de resolver em Portugal porque a população já está informada para poupar luz e ninguém quer pagar mais na factura ao fim do mês", refere Sérgio Henriques, que é também coordenador do departamento de conservação de invertebrados no Global Center for Species Survival, uma parceria do zoo de Indianápolis, nos EUA, e a UICN. "Muitas luzes de rua não são necessárias. Iluminam nada e ninguém e às vezes estão ligadas toda a noite, quando não há nem tráfego nem pessoas. Estamos a colocar barreiras intransponíveis para estes animais encontrarem parceiros."

Os estudos recentes mostram que tanto os machos quanto as fêmeas do pirilampo-comum enfrentam barreiras para encontrar um companheiro, e que mesmo baixos níveis de luz artificial à noite podem impedir que algumas fêmeas se reproduzam.

Outra das medidas que pode ser posta em prática no nosso dia-a-dia é a diminuição da utilização de insecticidas e de outros químicos em hortas e jardins. "Os insecticidas não eliminam as lesmas e caracóis. É uma ideia preconcebida que temos e que não está alinhada com o conhecimento científico de hoje. Os pirilampos alimentam-se de caracóis e ao utilizarmos inseticidas podemos não matar os caracóis, que não são realmente insectos, mas estamos a matar os seus predadores, os pirilampos", diz o biólogo.

Além disso, os pirilampos, como tantos outros animais, fungos e plantas, estão à mercê da perda de habitat e das alterações climáticas. São particularmente vulneráveis a secas extremas ou a reduções de humidade, uma vez que as suas larvas se alimentam de caracóis e lesmas, que são mais activas em período de chuva ou elevada humidade, sofrendo declínios populacionais em períodos de seca. "Se queremos que futuras gerações tenham oportunidade de experienciar um dos mais belos espectáculos do mundo natural, a hora de agir é agora", avisam os biólogos citados no comunicado de imprensa.

A "limpeza excessiva de matas e florestas" é outro dos desafios actuais desta espécie carismática, que fica sem vegetação para habitar, ainda segundo Sérgio Henriques. "As pessoas têm sido muito excessivas e muito zelosas, com receio de coimas e outras coisas, e limpam completamente a vegetação em áreas bem superiores a 100 metros à volta de aglomerados populacionais. E os pirilampos e animais que ali viviam desapareceram por completo."

O biólogo deixa ainda uma dica para quem não avista pirilampos há muito tempo, mas gostava de o fazer. "O Parque Biológico de Gaia é um dos poucos lugares, para não dizer o único, onde fazem visitas guiadas para vermos pirilampos durante o período em que as espécies estão activas. No parque há cinco espécies, um número impressionante para uma área tão pequena."