Blendecques, no Norte de França, foi uma das povoações mais atingidas pelas inundações históricas que atingiram a região de Pas-de-Calais, em Novembro de 2023. Numa povoação de 5000 habitantes, cerca de 900 casas sofreram danos. Perante uma catástrofe que se pode associar às alterações climáticas, seria legítimo pensar que o Partido Ecologista-Os Verdes tivesse aqui uma boa votação. Mas não, conta o Le Monde. O favorito é a União Nacional de Marine Le Pen, o partido de extrema-direita que pode vir a formar governo após as legislativas que têm a primeira volta neste domingo, e cujas ideias vão em contramão à defesa do clima.
“Os deputados da extrema-direita [na Assembleia Nacional, em França, e no Parlamento Europeu], eles falam das leis de ambiente e clima como punitivas, e não como ferramentas para ter um futuro melhor”, disse ao PÚBLICO Gaïa Febvre, responsável pelas políticas internacionais na Rede de Acção Climática, que federa associações francesas empenhadas numa transição ecológica justa.
A União Nacional fez dessa denúncia da “ecologia punitiva” uma arma eleitoral. Marine Le Pen diz aos eleitores que a União Europeia “quer obrigar-vos a mudar, quase de um dia para o outro, a caldeira de aquecimento e gastar 15 mil euros”, ou que ordena “diminuições autoritárias das superfícies agrícolas”. Serviu para ganhar as eleições europeias, com o dobro da votação da esquerda e da formação do Presidente Emmanuel Macron, se consideradas juntas.
Não é que o partido de extrema-direita ignore as questões ambientais. Afinal, um estudo de opinião Ipsos para o BNP Paribas, de Abril, feito em 11 países, entre os quais a França (Portugal não) revelava que 70% dos 10.400 europeus ouvidos se confessam ansiosos perante as alterações climáticas e as suas consequências.
“A nossa família política cometeria um erro se se comportasse de forma tão cega perante a questão ambiental como a esquerda o faz há 30 anos com a imigração”, salientou Jordan Bardella, o jovem presidente da União Nacional (28 anos) e candidato a primeiro-ministro, numa entrevista à revista Valeurs Actuelles.
O partido de extrema-direita que as mais recentes sondagens dizem poder arrebatar 37% do voto na primeira volta faz é pugnar por uma “ecologia do bom-senso", o que quer dizer, na verdade, pouco de ecologia. Quando os cientistas e outros sectores da sociedade falam da necessidade de urgência para lutar contra a crise climátca e de biodiversidade, , a União Nacional quer sossegar as pessoas.
Petróleo sim, renováveis com calma
Propõe medidas favoráveis à continuação do uso de combustíveis fósseis, em vez do seu abandono – como “renunciar à interdição” da venda de viaturas novas com motor de combustão a partir de 2035, uma decisão europeia, e acabar com as zonas de emissões reduzidas nas cidades. Deixaria cair também a obrigação de melhorar a eficiência energética dos edifícios. Baixar o IVA sobre “o conjunto dos produtos energéticos” em 5,5% é uma das medidas de emergência que propõe, se o partido formar governo.
“Temos de eliminar gradualmente a dependência dos combustíveis fósseis, como foi decidido na COP28, mas a extrema-direita não está nesta linha. Parecem estar no passado”, comentou Gaïa Febvre.
Em Maio, o Global Electricity Review do think-tank Ember mostrou que as fontes renováveis ou limpas forneceram 30,3% da electricidade mundial no ano passado – incluindo o nuclear, considerado energia limpa. Mas quando a União Nacional fala em transição energética, o horizonte é distante. Querem construir mais 20 reactores nucleares, apostar no hidrogénio, energia geotérmica – tudo projectos cuja concretização é a longo prazo e insegura.
O programa eleitoral apresentado a 24 de Junho por Jordan Bardella é omisso sobre as energias renováveis, solar e eólica. Em vários países, Portugal incluído, a energia eólica representa já mais de 20% da electricidade produzida; em França, foi de 9,5% em 2023, porque tem muito nuclear. Mas o que a União Nacional tem defendido é mesmo o desmantelamento dos parques eólicos – em nome de uma vaga defesa da paisagem.
Marine Le Pen já defendeu uma moratória sobre as eólicas, e tem dito das turbinas que são “feias e inúteis”. O sector das energias renováveis francês teme o pior.
Franceses travam na transição
O percurso feito por França tem sido positivo. As emissões de gases com efeito de estufa diminuíram 5,8% entre 2022 e 2023 (menos 22,8 milhões de toneladas de CO2 equivalente). Mas mesmo estando preocupados, os cidadãos parecem dispostos a aliviar os comportamentos que contribuem para travar as alterações climáticas, revela o inquérito Ipsos/BNP Paribas, no que pode ajudar a explicar o encantamento com o discurso da Uniao Nacional.
Em 2023, por exemplo, 77% disseram ter reduzido a climatização das suas casas; mas no inquérito de 2022 foram 80%. A inflação, e o impacto económico projectado da transição energética, estão a erodir o apoio. Se 64% dos franceses consideram que a transição pode ter um efeito positivo na sua qualidade de vida, 49% acham que pode ter efeitos negativos na economia e 66% sobre o seu poder de compra.
Vamos dar sempre ao mesmo ponto: a transição climática tem de ser solidária e justa. “Muitas pessoas têm raiva em relação à forma como Emmanuel Macron governou estes sete anos. Por isso estamos nesta situação de retrocesso”, sugeriu Gaïa Febvre.
“Entendo. Não se trata apenas de uma questão climática. Trata-se de justiça climática, mas também de justiça social. As pessoas estão à procura de algo diferente, e sentem-se atraídas pela narrativa da extrema-direita”, diz.
Medos
O que a União Nacional traz é certamente algo de diferente.
Abandono do Pacto Ecológico Europeu, da Estratégia do Prado ao Prato (para uma produção alimentar mais sustentável) são outras ideias que fazem parte do programa do que pode ser o próximo partido de governo em França. São coisas que assustam os ecologistas franceses. “O meu medo é que não consigamos manter-nos no Acordo de Paris. São contra o progresso que já fizemos”, adiantou Gaïa Febvre.
França é um dos países centrais da União Europeia. Embora a política exterior e de defesa seja definida pelo Presidente da República, um Governo de extrema-direita em Paris – e em Itália, em coligação nos Países Baixos, e no poder ou perto dele noutros países – pode influenciar o caminho europeu. “França é um actor importante no palco europeu, claro que terá consequências. Mas temos de trabalhar para salvar o Pacto Ecológico”, salientou a ambientalista.
Se houver um Governo de extrema-direita, a luta pode ser também pela sobrevivência das organizações ambientalistas. Pelo acesso aos media, cada vez mais concentrados em grupos ligados à extrema-direita, e que matraqueiam mensagens anti-imigração, alimentando receios.
Muitas organizações recebem apoios estatais. “É a liberdade de expressão que está em causa. Se se criticar o Governo, que consequências teremos? O que acontecerá com um Governo de extrema-direita?”, interroga Gaïa Febvre.
A agressividade com que o Governo Macron tem encarado o activismo ambiental, criminalizando-o, cria antecedentes. “Michelle Forst, que é o relator especial para a defesa do ambiente da ONU, divulgou um relatório este ano, em que considerou que França tem a pior violência policial da União Europeia contra os activistas ambientais”, recordou.