Integração de cuidados, o caminho para criar valor para o doente

A terceira edição do Mais Valor em Saúde atribuiu quatro bolsas e, no debate que enquadrou o momento, uma conclusão emergiu: a integração de cuidados é o caminho para criar valor para o doente.

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Colocar, efectivamente, o doente no centro do sistema. Este é o grande mérito que o júri da terceira edição das Bolsas Mais Valor em Saúde – Vidas que Valem identifica nos quatro projectos distinguidos. Em comum, têm o facto de assentarem no conceito de Value Based Healthcare, propondo uma reorganização das respectivas unidades de saúde – neste caso, Unidades Locais de Saúde (ULS) – a partir da auscultação das necessidades dos doentes e do que estes valorizam quando é a sua saúde que está em causa.

São projectos que vão agora merecer consultoria especializada, durante um ano, com vista à sua implementação, no valor de 50 mil euros cada. No total das três edições já realizadas, e como sublinhou o executive director da Gilead Sciences, Ignacio Schoendorff, foram alocados 600 mil euros para as 12 candidaturas seleccionadas, de um total de 57 recebidas, o que lhe permite fazer um “balanço muito positivo” de um programa que “tem um impacto incalculável na saúde dos doentes e das pessoas que os acompanham”.

A criação de valor e a realidade portuguesa

A criação de valor para o doente foi, exactamente, o ponto de partida do debate "Criação de Valor para o Doente - Papel da Integração e Continuidade dos Cuidados" com os membros do júri – José Fragata, coordenador da Unidade de Cirurgia Cardíaca do Hospital CUF Tejo; Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH); Tamara Milagre, presidente da Associação EVITA; e Pedro Pita Barros, professor de Economia na Nova SBE.

A porta-voz da EVITA começou por chamar a atenção para o facto de que o valor só é gerado se fizer sentido e melhorar a vida do doente, sendo necessário dissociar o aspecto financeiro, equacionando, antes, se os resultados que se esperam visam melhorar a qualidade de vida do doente.

Na mesma linha de pensamento, o médico José Fragata enfatizou a relevância dos “patient reported outcomes” e da “patient reported experience” para sustentar que esta equação entre resultados e custos é uma metodologia a que Portugal não está habituado.

Na sua óptica, a noção de valor em saúde é muito útil, ainda que não se aplique totalmente a sistemas de saúde de base social, como o português. Teve, nomeadamente, “o condão de relacionar os resultados em saúde – que não são os do dia, mas os resultados mantidos – com os custos para os atingir”. Defendeu, contudo, que é de difícil implementação.

Já Xavier Barreto focou-se na segunda parte do mote deste debate – a integração de cuidados – para notar que, quando se pensa em ULS, pensa-se em transformar a forma como as unidades de saúde estão organizadas, em criar equipas integradas, acabar com a segmentação entre cuidados (primários e hospitalares) e em desenhar um novo percurso, com novos intervenientes. Ora, neste percurso, identificou a integração clínica como sendo a dimensão com mais impacto nos doentes. “É esse o grande desafio para as ULS”, advogou.

E em que medida o modelo de ULS acrescenta valor em saúde? Foi a esta questão que respondeu o economista Pedro Pita Barros, defendendo que a transformação jurídica em curso não deve ocupar todo o espaço mental da gestão, sob pena de não deixar espaço para pensar na integração. E, para alcançar essa meta, “os profissionais têm de estar comprometidos com a ideia”, “os sistemas informáticos têm de estar preparados para a mudança” e impõe-se “uma visão clara de para onde se quer ir”. A propósito desta visão, deixou a nota de que importa abandonar a ideia de centralismo e perseguir soluções descentralizadas: "Muito do que está a ser pensado vem de quem está mais próximo dos doentes e que, tendo ideias, só precisa da ajuda e do compromisso da gestão”, sustentou.

E os vencedores desta terceira edição são, precisamente, equipas que estão próximas dos doentes e que vão, assim, ao encontro do propósito do programa – incentivar a implementação de projectos que visam a obtenção de melhorias substanciais na prestação integrada de cuidados, na eficiência económico-financeira e, fundamentalmente, melhores resultados em saúde para a comunidade.

A realização do (im)possível

Os quatro projectos distinguidos têm em comum o facto de se terem organizado para colocar o doente no centro do sistema. Implicam quatro reorganizações de funcionamento dos serviços, que vão agora ser trabalhadas ao longo de um ano com vista a colocar em prática o que está desenhado no papel.

Da ULS Litoral Alentejano foi distinguido o programa assistencial integrado CONSIGO, focado na reabilitação respiratória da pessoa com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC). Nas palavras da sua porta-voz, a médica Clara Cruzinha de Sousa, pretende constituir-se como “uma alternativa à abordagem mais comum”, uma vez que visa promover o acesso a cuidados de saúde especializados, baseados em evidência e numa abordagem holística de proximidade focada na capacitação da pessoa com DPOC e seus cuidadores, tendo por base um processo de co-criação na identificação das suas necessidades de saúde.

“No seu duplo significado, pretende transmitir às pessoas a quem se dirige que ‘estamos consigo’, na medida em que estão a ser acompanhadas no seu percurso de forma holística e proactiva, e, simultaneamente, uma mensagem de empoderamento na gestão da sua doença crónica, ambicionando que, no fim do programa, cuidadores e pessoas com DPOC possam dizer ‘eu consigo’ gerir a minha doença crónica e viver com qualidade de vida”, sublinha.

Por sua vez, a ULS São José, em Lisboa, viu reconhecido o programa ATENTO. Consiste, segundo a enfermeira Neuza Reis, num projecto de telessaúde que agrega serviços de telemonitorização, de videoconsulta e de telerreabilitação, propondo-se relacionar todas as instituições em que o doente está envolvido. O objectivo é “retirar o doente do hospital, cuidar dele em casa”, dando-lhe maior autonomia na gestão da terapêutica, logo maior qualidade de vida. Quanto à bolsa, encara-a como uma validação: “Vem mostrar que estamos no caminho certo e dar mais força para continuarmos. Ajuda a criar estratégias para a sua implementação e melhoria”, afirma.

Para a ULS de Santa Maria, também em Lisboa, esta bolsa tem o grande mérito de dar visibilidade ao projecto “Serviço de Urgência Amigo do Idoso”. “Faz pensar sobre o tema e, com isso, pode levar a uma mudança de atitude. Ao mesmo tempo, constitui uma ajuda externa valiosa, pois contribui com diferentes perspectivas para o mesmo problema”, nota a porta-voz, a médica Catarina Bekerman.

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Todos os vencedores das quatro bolsas Mais Valor em Saúde – Vidas que Valem

Na sua óptica, este é um projecto que cria valor em saúde já que trata de forma diferenciada uma população que requer cuidados também eles diferenciados. Tem na sua génese o conhecimento de que os idosos demoram mais tempo no serviço de urgência, consomem mais recursos, sofrem mais internamentos e maior mortalidade. E o que propõe é a integração de cuidados, com a criação de pontes para toda a rede de suporte em ambulatório. “Temos poucos recursos, mas podemos utilizá-los melhor, optimizando os circuitos”, sublinha, manifestando a convicção de que esta é uma iniciativa que pode expandir-se a toda a população do serviço de urgência.

A multidisciplinaridade é também o foco do projecto da ULS Gaia/Espinho, uma “prática clínica regular como fonte de dados para suportar acordos de partilha de riscos e estudos de real-world evidence”. Materializa-se na criação de clínicas multidisciplinares, num processo iniciado em Fevereiro, e a quantificar dados relativos aos patient outcomes e à patient experience, bem como de custos.

Como dá conta o seu porta-voz, o médico Firmino Machado, implica alterações à cultura organizacional: “Há necessidade de mudar a forma como as estruturas trabalham. E é aqui que vemos a importância do prémio. Porque os samurais da inovação já demonstraram que é possível, agora é preciso que a cultura se dissemine.” Trata-se de passar do actual modelo de organização vertical dos serviços, que “não é o que melhor serve os doentes”, para um modelo horizontal, com uma equipa multidisciplinar, integrada, o que gera optimização do diagnóstico, da terapêutica e da reabilitação.

O Programa Mais Valor em Saúde - Vidas que Valem é uma parceria Gilead Sciences, APAH, Exigo e IASIST, com apoio institucional das Ordens dos Enfermeiros, dos Farmacêuticos e dos Médicos, e apoio tecnológico da MEO Empresas.

PT-COR-0114