Nos dias de maior calor, os discursos políticos são mais simples

Análise foi feita a mais de sete milhões de discursos políticos, proferidos por mais de 28 mil pessoas, entre 1950 e 2019. Proficiência linguística diminuía em dias quentes, mas não em dias frios.

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Em dias mais quentes, o aquecimento pode toldar a cognição e torna-se difícil tecer discursos mais complexos Darek Delmanowicz / EPA
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Uma análise de mais de sete milhões de discursos políticos sugere que os políticos utilizam uma linguagem mais simples em dias de temperaturas elevadas, o que, segundo os investigadores, pode apontar para um potencial efeito do aquecimento do clima na cognição.

O estudo, publicado na revista iScience, analisou 7,4 milhões de discursos proferidos por mais de 28.500 políticos em oito países, numa tentativa de determinar se as temperaturas extremas podem afectar o desempenho cognitivo, mesmo em ambientes fechados. Prevê-se que o calor e o frio extremos se tornem mais frequentes e intensos à medida que as alterações climáticas avançam, estando as temperaturas extremas associadas a uma série de problemas de saúde.

Os investigadores analisaram os textos de discursos proferidos em Washington; Londres; Viena; Amesterdão; Wellington, Nova Zelândia; Copenhaga; Madrid; Bona; e Berlim entre 1950 e 2019, associando os dados relativos à temperatura do dia do discurso à linguagem utilizada pelos legisladores.

A análise mostrou que a proficiência linguística dos políticos diminuía em dias quentes, mas não em dias frios, com o calor a diminuir a pontuação de complexidade linguística equivalente a "aproximadamente meio mês de menor nível de escolaridade". Os discursos proferidos em dias quentes tinham um comprimento de palavras 3,3 por cento mais curto, embora o comprimento das frases se mantivesse igual.

Quando os investigadores analisaram um subconjunto dos dados da Alemanha, descobriram que, para os legisladores com mais de 57 anos, os efeitos do calor começavam entre os 21 e os 24 graus Celsius. A complexidade da linguagem durante os períodos de calor difere entre homens e mulheres, mas não com significado estatístico. Os investigadores afirmam que os efeitos se estendem aos discursos feitos em locais fechados, teorizando que a breve exposição dos legisladores ao calor exterior no caminho para os discursos pode ter um impacto, notando ainda que "as temperaturas extremas também podem perturbar o sono".

"A simplificação do discurso político tem implicações mistas; embora uma linguagem mais simples possa melhorar a compreensão e o envolvimento do público, também pode sinalizar um desempenho cognitivo reduzido devido ao calor", disse Tobias Widmann, professor assistente de ciência política na Universidade de Aarhus, na Dinamarca, e co-autor do estudo, num comunicado de imprensa. "Isto pode ter consequências negativas para a produtividade dos deputados, afectando a tomada de decisões legislativas, a representação dos cidadãos e o planeamento orçamental".

O estudo não testou os mecanismos específicos subjacentes às quedas na complexidade da linguagem, e os investigadores observam que muitos discursos políticos são escritos muito antes de serem proferidos. Por isso, recomendam que a investigação futura inclua medidas mais avançadas de linguagem e mais dados demográficos sobre os oradores. No entanto, escrevem, as temperaturas extremas podem "ter implicações negativas de longo alcance para a sociedade como um todo".

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post