O póquer do “capitão” Manuel Fernandes que incendiou o derby dos 7-1

Na última época como jogador do Sporting, Manuel Fernandes levou Alvalade ao rubro na goleada histórica frente ao rival da Luz.

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Manuel Fernandes foi homenageado em Alvalade, em Maio, num clássico com o Benfica JOSE SENA GOULAO / LUSA
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Manuel Fernandes marcou 257 golos pelo Sporting, 25 dos quais na última época de “leão” ao peito, que fechou com um derradeiro festejo frente ao V. Guimarães, na despedida de um campeonato onde somou 17 finalizações certeiras... quatro das quais numa tarde mágica, no derby da capital que sublimou os dotes de goleador de eleição.

Nessa campanha de 1986/87, que o rival da Luz selou com uma “dobradinha”, batendo o Sporting no Jamor, Manuel Fernandes (1951-2024) bisou em quatro partidas e assinou um póquer histórico frente ao Benfica de John Mortimore — mesmo não sendo um grande fã de jogos de cartas, excepção feita a um ramizinho para digerir uma boa caldeirada de enguias.

Um póquer aberto (com sete cartas), sem sombra de bluff, do capitão do derby, numa tarde de Dezembro, que nem quase quatro décadas conseguem diluir na memória colectiva dos portugueses, independentemente da cor clubística. O Sporting de Manuel José arrasou a “águia” com um estrondoso 7-1 (a maior goleada frente ao Benfica) e uma exibição notável do atacante de Sarilhos, testemunhada por 60 mil adeptos que deram por bem empregues os 500 escudos (dois euros e meio) do bilhete.

A reportagem, que faz parte do acervo da RTP, confirma os quatro golos (50, 71, 82 e 86’) – dois de cabeça, com um mergulho de peixe à mistura, e dois com o pé direito – e muito mais: um par de oportunidades que resultaram em defesas de Silvino e terminaram em recargas como a de Mário Jorge (1-0) aos 15 minutos, que só parou no fundo da baliza encarnada.

Manuel Fernandes fez ainda duas assistências cirúrgicas, a primeira a abrir, mas que Meade esbanjou, e a segunda, num subtil desvio de cabeça, a servir Mário Jorge para o 4-1.

No fim, Manuel Fernandes ainda teve fôlego para um último sprint, fundamental para impedir que o lateral Gabriel acabasse com a bola do jogo na colecção particular. O avançado rapidamente desarmou o defesa, não com o argumento infalível e irrefutável dos quatro golos, mas com um simples apelo ao coração.

A bola era a prenda de aniversário que Manuel Fernandes gostava de poder oferecer à filha Cláudia, que nesse dia completava nove anos, precisamente o número eternizado pelo grande goleador de Alvalade.

“Não trocava essa tarde dos 7-1 por um título”, assumiu mais tarde Manuel Fernandes, orgulhoso do legado que deixa a filhos e netos, a certeza de que deixou uma marca eterna neste mundo, de que esses quatro golos são prova inequívoca.

Na verdade, apesar de não faltarem momentos importantes na carreira de Manuel Fernandes ao serviço do clube do coração, na maioria das vezes em que era interpelado por amigos, conhecidos ou anónimos já sabia que os 7-1 de 1986 seriam tema de conversa.

E isso causava-lhe, paradoxalmente, um certo desconforto, pois gostava que mais de uma década de dedicação ao Sporting não se resumisse a essa tarde de 14 de Dezembro.

“Não quero ser lembrado apenas por isso. Seria injusto se me recordassem só por um jogo”, assumiu, desfiando os números da passagem por Alvalade, tanto de presenças, como de golos e de outros detalhes que destruíam qualquer tentativa de o reduzir a mero fenómeno de uma tarde de inspiração.

Mas no final do dia, Manuel Fernandes sabia, sem precisar que lho recordassem com sentidas e justificadas homenagens, que tinha deixado uma marca indelével no clube e no imaginário dos amantes de futebol.

A bola do jogo, que Cláudia guarda junto ao coração, é, de resto, muito mais do que a prova da mestria do futebolista de eleição que foi. É, antes, a prova da simplicidade e do amor genuíno que o transformou num modelo como pai e “leão”.

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