A sobreexploração dos recursos hídricos na periferia do Parque Nacional de Donãna, em Espanha, associada aos efeitos do aquecimento global, contribuíram para que 2024 esteja a ser o pior ano na reprodução de aves aquáticas desde que há registos. Esta é a conclusão da Sociedade Ornitológica Espanhola, SEO/BirdLife, depois de interpretar os resultados do Censo Internacional de Aves Aquáticas Invernantes.
Através de um comunicado a que o PÚBLICO teve acesso, a SEO/BirdLife reforça a leitura da situação descrita: os dados apresentados na última terça-feira (25 Junho), na Comissão de Biodiversidade do Conselho de Participação de Doñana, concluiu que o Censo Internacional de Aves Aquáticas Invernantes de 2024 contabilizou 122.196 exemplares de diversas aves aquáticas migratórias que procuram Doñana para nidificar ou transitar de e para a Europa a partir do Mediterrâneo Ocidental.
Este número representa, para a Sociedade Ornitológica Espanhola, “a pior invernada da história do parque nacional”, com 60% menos animais que em 2023 e 80% menos que em 2021. A perda de aves invernantes “é dramática” em comparação com o ano anterior, quando foram contados 289.999 exemplares, salienta a organização ambientalista espanhola.
Um parque em crise
Este panorama desolador vem comprovar como o Parque Nacional de Donãna, que ocupa um território com cerca de 74 mil hectares, preenchido de uma rica e extensa biodiversidade composta de floresta mediterrânica, pastagens, dunas fósseis, pinheirais e zonas pantanosas, enfrenta a “maior crise da sua história”. Esta diversidade de ecossistemas permite ser o habitat perfeito para mais de 900 espécies de plantas e de animais, destacando-se a identificação de 228 tipos de aves na maior reserva biológica da Espanha e de toda a Europa.
Era o local onde, em média, cerca de meio milhão de aves aquáticas passavam o Inverno e milhões delas faziam das lagoas de Doñana o seu ponto de paragem quando transitam de África para o Norte da Europa, a partir do Mediterrâneo Ocidental.
Só o sapal, o maior ecossistema do parque, estende-se por uma área com cerca de 27 mil hectares, equivalente à área ocupada pela albufeira do Alqueva.
Doñana é considerada uma zona húmida de importância capital para as populações de aves aquáticas migratórias. A maior reserva biológica da Europa é Património da Humanidade pela UNESCO, está integrada na Área de Protecção Especial para Aves (ZPE) de Doñana e inscrita na Convenção de Ramsar sobre zonas húmidas de importância internacional.
Mas, apesar desta importância, a degradação do parque nacional espanhol, localizado na província de Huelva, está a reflectir-se no colapso impressionante, por exemplo, da população de gansos-cinzentos. Apenas 4216 exemplares foram contados, quando os números habituais situavam a sua população entre 40.000 e 50.000 aves. Além disso, registou-se uma redução de mais de 70% face a 2023 nas espécies invernantes mais comuns, acentua o comunicado da SEO/BirdLife.
Pouca chuva
As alterações na precipitação atmosférica que ocorreram no Inverno de 2024 explicam o fenómeno: a chuva só se acumulou, em algumas lagoas de Doñana, durante o mês de Março, enquanto no Outono e no Inverno se registou uma pluviosidade muito fraca, ou seja, grande parte das zonas pantanosas manteve-se quase seca ou mesmo seca durante o ano de 2023. E, apesar das inundações parciais e superficiais provocadas pela precipitação ocorrida na Primavera, as altas temperaturas que se verificaram nas semanas seguintes fizeram com que grande parte das zonas húmidas secasse rapidamente.
Além dos efeitos das alterações climáticas, com níveis de precipitação atmosférica abaixo da média que se foram acentuando ao longo da última década, Doñana tem sido sujeita à sobreexploração das suas massas de água, que reduziu a área ocupada por zonas húmidas, afectando milhares de aves limícolas e de patos e a formação das grandes colónias de juvenis que se observavam há uma década.
Um relatório recente publicado pela EBD-CSIC — Estação Biológica de Doñana (EBD), instituto coordenado pelo Conselho Superior de Investigação Científica (CSIC) —, destaca como ao longo dos últimos 12 anos as populações de aves aquáticas diminuíram e 79% dos reprodutores das espécies para as quais há informação mostram uma tendência regressiva.
De acordo com o relatório da Estação Biológica de Doñana, a diminuição das inundações contribuiu para o “declínio da reprodução de aves aquáticas, anfíbios e peixes, bem como de borboletas e plantas ameaçadas de extinção”. No entanto, as inundações que ocorreram na Primavera de 2024 vieram dar um forte contributo para “estimular o crescimento da vegetação, que favoreceu a reprodução de aves aquáticas, como galeirões, mergulhões, garças e o pato-de-cabeça-branca”, assinalou a EBD-CSIC.
Ao mesmo tempo, destaca o efeito negativo da intensa chuva: a acção dos predadores de topo (javalis e raposas), que se evidenciaram sobre os ovos e crias de garças, colhereiros e melros que nidificam em Doñana e condenaram ao desaparecimento a única colónia de gaivotas-de-bico-fino que existia na área protegida. O pisoteio deixado pelos efectivos pecuários e o sobrepastoreio agravaram os impactos negativos sobre as aves que nidificam no chão das zonas pantanosas.
A situação agrava-se porque “o aquífero está sobreexplorado devido à agricultura intensiva e aos modelos turísticos massificados”. A acrescentar há ainda algumas “massas de água contaminadas pelos derrames de nutrientes de origem agrícola e à deficiente depuração das águas residuais”, observam os ecologistas.