AGIF propõe “gestão ibérica” dos C-130 para combate a fogos. “Tem que haver um tecto” na despesa
Tiago Oliveira, que lidera há sete anos a AGIF, pressiona Luís Montenegro a investir mais na prevenção de fogos e propõe um novo destino para os velhos C-130 da Força Aérea.
O presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), Tiago Oliveira, que acabou de entregar ao Parlamento o relatório anual da agência, chama a atenção do actual Governo para a necessidade de fazer mais pela recuperação das áreas ardidas e propõe que os proprietários que façam gestão florestal em função dos incêndios sejam pagos por isso. Em entrevista ao PÚBLICO-Renascença, manifesta-se disponível para continuar no cargo e critica o autarca de Lisboa, Carlos Moedas.
Na semana passada entregou no Parlamento o relatório de actividades de 2023 da AGIF. Uma das conclusões é que em 2023 diminuiu o investimento na prevenção face ao combate. O país voltou a cair na "armadilha do combate", para usar uma máxima sua?
Pela primeira vez, ao fim de cinco anos, há uma redução (de 62 milhões de euros) no investimento e há um aumento do combate. A nossa perspectiva é que, ao sinalizarmos esta perda de investimento, o decisor político reajuste os orçamentos, reduza o que se está a gastar em combate e aumente aquilo que se está a gastar em prevenção. À medida que a memória de 2017 se esbate no tempo, vai haver sempre mais agendas a puxar pela solução fácil em vez do longo prazo. O país tem 60 dias por ano em que o risco de incêndio é muito elevado, mas tem 305 dias por ano em que podemos fazer muita prevenção, gerir a florestação, educar as pessoas, porque o risco de incêndio está aí e temos que conviver com ele.
O Presidente da República dizia, na semana passada, que não podemos voltar a ver o que aconteceu em Pedrógão e o Tiago Oliveira dizia que há possibilidade de voltar a acontecer. Há aqui um paradoxo entre estas duas posições?
Há o paradoxo do fogo. É um elemento que não existe na natureza por si: resulta de relâmpagos, resulta de uma reacção provocada, resulta de um contexto. Se esse contexto está carregado de vegetação, tem uma população não educada, é aquilo que vai acontecer, vamos ter muitos fogos. Se se reduz o número de incêndios, como nós reduzimos, e não se reduz a quantidade de vegetação, com melhor silvicultura, mais silvopastorícia, mais fogo controlado, vamos ter no futuro um território muito extenso e portanto vamos ter grandes incêndios. Não é "se vamos ter", é "quando é que vamos ter".
A cada ano que passa tem sido mais difícil convencer o poder político que tem de investir mais na prevenção?
É um clássico das tragédias. Sempre que há uma crise, há uma oportunidade. Em 2017, o país não olhou para o problema como um problema de bombeiros, de protecção civil, de combate. Fez o caminho de reconhecer que o contexto tinha que ser alterado e investiu muito, multiplicou por nove aquilo que se gastava em prevenção e duplicou aquilo que se gastava em combate. Com a pandemia, com a guerra da Ucrânia, a atenção política deixou de estar tão preocupada com o tema e também, de facto, nós reduzimos em 60% o número de incêndios. Reduzimos a probabilidade da situação, mas estamos a atrasar-nos e é necessário acelerar a gestão da florestação, a silvopastorícia, a silvicultura e o fogo controlado. Mais: perdemos a oportunidade, no pós-2017, de atacar o tema da recuperação das áreas ardidas, de dizer ao seu proprietário "isto aqui vai ser objecto de uma intervenção pública com 500 hectares". Espero que o Governo reforce o investimento quer na prevenção, quer no pós-fogo, no OE 2025.
A AGIF esteve na dependência directa do primeiro-ministro e agora está no Ministério da Agricultura. Isso quer dizer que, para este Governo, este tema perdeu importância?
A agência, ao estar na dependência do primeiro-ministro, tem uma facilidade muito grande para conseguir falar com os vários ministérios e promover agendas e orçamentos alinhados. Naturalmente, todas as entidades gostariam de estar perto do primeiro-ministro. Se sentirmos alguma dificuldade, vamos ser os primeiros a escrevê-lo no relatório do próximo ano. O primeiro-ministro explicou-nos a razão pela qual não estamos directamente na dependência dele. Não quer ter serviços na dependência directa, quer dar empoderamento aos seus ministros.
Mas em termos de filosofia, o primeiro-ministro não quer mudar nada no modo como está a funcionar a AGIF?
É para manter as preocupações, a nossa independência, transparência, frontalidade com que colocamos os temas e fazer o seu seguimento e a sua monitorização. Vamos continuar a fazê-lo com diplomacia, como sempre o fizemos, mas a sinalizar os problemas que existem e que têm de ser resolvidos.
Vai manter-se à frente da AGIF?
Entregámos os nossos relatórios e aguardamos orientações.
E gostava de continuar?
Foram sete anos muito difíceis e muito entusiasmantes. Estamos sempre abertos a novos desafios, como também estamos sempre abertos a continuar para continuar e consolidar o trabalho que está feito.
Chegou a dizer no Parlamento que os “corpos de bombeiros recebem em função da área ardida”, considerando este um “objectivo perverso”. O Estado potencia a infracção dos bombeiros?
A lei que existe, e atribui o financiamento [aos bombeiros] em função de um conjunto de critérios e de variáveis, tem que ser revista, assim como a lei do financiamento das autarquias, para que estas se envolvam a gerir a florestação, a apoiar o associativismo, a mobilizar os proprietários e a beneficiar quando a área não ardida começa a aparecer e os resultados a existirem.
Não só os corpos de bombeiros, como também as organizações florestais e todos os agentes económicos que gravitam em torno destes 476 milhões de euros que o país dedica aos incêndios têm que ser objecto de acompanhamento, de monitorização, de reporte.
Propusemos, e também está no programa do Governo, que haja contratos de programa que transformem a relação entre o Estado e as entidades privadas numa lógica de transparência, numa lógica de resultados, e que haja um fee em função daquilo que é o esperado, numa lógica de cinco anos, e em função dos resultados da área não ardida, ou da redução dos incêndios, ou das pessoas sensibilizadas, da vegetação à volta das casas. É importante rever os incentivos e pôr em marcha uma ideia que o Henrique Pereira Santos está sempre a recuperar, que é fundamental, que é dar 100 euros por hectare/ano para os proprietários que demonstrem que fazem gestão florestal.
Este governo AD tem relações mais próximas com os bombeiros. Durante muitos anos, um dirigente do PSD era ao mesmo tempo presidente da Liga dos Bombeiros. Está mais pessimista ou optimista de que seja este o Governo que vai fazer uma mudança nos tais contratos de programa por resultados, nomeadamente com os corpos de bombeiros?
Estou optimista. Um, está no programa do Governo. Dois, os bombeiros querem os contratos de programa porque precisam da perspectiva plurianual, precisam de uma relação mais transparente em função de objectivos.
Só conseguiremos sair desta tragédia dos incêndios se houver um tecto de dinheiro que se gasta no combate e se aumentar a escala de intervenção no território.
Choveu muito, deve haver muita vegetação que irá secar e ficará pronta para arder. Como estamos este ano em termos de acumulação de biomassa?
Este ano, há mais vegetação porque ardeu menos, houve menos queimas controladas do que gostaríamos. Houve um esforço de fazer áreas de intervenção, vê-se mais aceiros, estradas e auto-estradas com as faixas limpas, mas também se vê aqui em Monsanto, por exemplo, uma carência extrema de intervenção e de gestão de combustíveis. O país não é todo homogéneo. Acho que isto é uma evangelização permanente em prol da prevenção.
Falou da necessidade de limpar Monsanto.
É o terceiro ano consecutivo em que insistimos por escrito. Há cerca de 200 hectares, em sítios críticos, numa mata de 1000 hectares, que têm que ser tratados para evitar aquilo que no ano passado quase ia acontecendo. Limpar, desbastar, tornar toda a área de Monsanto mais segura. Aquilo tem que ser gerido, é necessário intervir, retirar o arvoredo seco, pôr máquinas, recuperar os borregos e as cabras em Monsanto, porque não? Silvicultura pura e dura, sem prejudicar a biodiversidade. Ninguém quer tocar na biodiversidade.
Quem é que está a falhar? A Câmara de Lisboa não faz nada?
É uma pergunta que tem que colocar à Câmara de Lisboa. A situação não está melhor.
Há anos que defende alterações ao regime sucessório para evitar que as heranças fiquem indefinidamente indivisas. Este relatório fala mais uma vez nisto. Mais uma vez, é falta de vontade política.
Avançou-se alguma coisa. Fez-se um grupo de trabalho que apresentou ao anterior Governo os diplomas todos que têm que ser mudados. O país tem mais de 11 milhões de prédios rústicos, 30% deles não se sabe quem são os herdeiros.
Na Holanda, se as pessoas não fizerem as partilhas, um ano depois o Estado pega nos números fiscais que estão identificados, vende em hasta pública e divide o que sobrou por cada um dos proprietários. Isto em Portugal era uma nova Maria da Fonte, ninguém quer fazer isso. Mas pode-se dar dois ou três anos.
Há pouco, falou da necessidade de usar mais os meios da Força Aérea para combate aos fogos. Como?
Desde 2018, a Força Aérea tem a capacidade de comando e controlo dos meios aéreos, de fazer aluguer e preparar a sua frota para dar apoio aos incêndios, entre 20 a 40% do dispositivo. Comprou dois Canadair, que devem chegar até 2029, e nove helicópteros médios, Black Hawks. Pode depois alugar outras frotas, mantendo os meios aéreos no número de 50. Estão agora em 72, que é um número em excesso, não é necessário tantos meios aéreos. A Força Aérea está a gastar 88 milhões de euros. Nós acreditamos que o Orçamento do Estado pode ser menos mobilizado para os meios aéreos.
Há um grupo de trabalho que foi criado, com a Força Aérea e a Protecção Civil, para equacionar que futuro dar aos C130. Acreditamos que com uma gestão ibérica, em que os espanhóis podiam usar os nossos C130 e nós os Canadair deles, poupavam os dois países muito dinheiro.
Portanto, é possível gastar menos do Orçamento do Estado. O que necessitamos é que toda a adicionalidade de meios seja objecto de uma análise de custo-benefício.