No último fim-de-semana, publicámos no Azul uma entrevista sobre a mais paradigmática das discussões "radioactivas": o debate sobre energia nuclear. A conversa com o químico orgânico Laurence Harwood, uma espécie de outsider da indústria nuclear tout court, foi para mim enriquecedora, explicando com detalhe algumas questões sobre resíduos nucleares que, noutros fóruns, costumam resumir-se a buzzwords atiradas entre as barricadas de defensores e detractores do nuclear.

Apesar da sua confiança na ciência para encontrar uma solução, Harwood não foge ao elefante na sala: "Qualquer país que tenha energia nuclear tem um problema cada vez maior para armazenar e tratar. Estamos a empurrar o problema com a barriga, a deixá-lo para outras gerações". Apesar das muitas matizes trazidas pelo investigador, os comentários foram – sem surpresas a preto e branco, entre os que acusam o jornal de ser pró-nuclear e os que não apreciaram a citação de um crítico anti-nuclear.

Num contexto mediático que nos impele a posicionar-nos em relação a tudo (mesmo em temas que não compreendemos bem), a polarização cada vez maior dos discursos não surpreende, acabando por ser baseada em visões estereotipadas ou mesmo caricaturadas do lado "oposto". O jornalismo tem o papel importante de explicar e tornar mais acessível uma realidade cada vez mais complexa e deve fazê-lo, na medida do possível, respeitando essa complexidade, incluindo todos os "se" e todos os "talvez" das questões. 

A transição energética é um desses temas complexos sobre os quais, enquanto cidadãos, somos convocados a dar uma opinião. E independentemente do grau de complexidade de cada uma das suas vertentes, é facto que nos tem faltado foco nas nuances relacionadas com três questões cruciais: como implementaremos as tecnologias incluindo com que custos reais (financeiros e ambientais) , mas também para que fins serão dirigidas essas novas fontes e, mais difícil de destrinçar, quem favorecem. Quem beneficiará destas apostas e inovações? As populações? Ou a ganância corporativa? 

No mix de fontes de energia que vão substituir os combustíveis fósseis, esta é uma equação na qual mesmo as energias renováveis nem sempre se saem bem. A expansão da energia solar tem sido feita, em muitos casos, à custa do ambiente, ao invés de se dirigirem os investimentos para áreas com menos valores naturais ou mesmo para o património edificado (olá, telhados).

Entre os atropelos à Convenção de Aarhus (sobre acesso à informação, participação pública na tomada de decisões e sobre acesso à justiça em questões ambientais) e as operações de "citizenwashing"  politicamente inconsequentes em que se tornaram as consultas públicas em Portugal, ou ainda perante processos como a Operação Influencer, que revelam o nível de acesso (e influência) das grandes empresas junto do poder político, não é demais pedir mais tempo e mais transparência para que os cidadãos sejam devidamente informados sobre as grandes questões que pendem sobre o seu futuro.

A transição energética é um imperativo, já sabemos. Mas a forma como cada país a irá atingir é um caminho a ser construído à escala local, em que ainda há muitos detalhes para esmiuçar. Numa altura em que a energia nuclear entrou no leque de energias limpas que serão apoiadas pela Comissão Europeia, com base no seu enorme potencial de produção de energia sem emissões (superada apenas pelo risco que representam os materiais em causa), é importante levantar a cortina de complexidade com argumentos renovados e não deixar que o debate seja feito de caricaturas construídas ao longo de décadas. Mas é também essencial não comprar fórmulas prontas nem os debates tóxicos dos outros países. Trilhemos o nosso caminho que, aliás, tem sido relativamente luminoso.

Quer trocar umas ideias sobre isto? O Azul vai participar na MediaCon, um encontro de jornalismo que tem lugar no Goethe-Institut, em Lisboa, a 28 e 29 de Junho. No sábado, a partir das 11h, estaremos no jardim do Goethe, disponíveis para dois dedos de conversa, ao lado de jornalistas de outros órgãos de comunicação social com abordagens alternativas. Contamos consigo!