Quinze anos depois da COP15, países lutam para mitigar emissões (incluindo Portugal)
Para cumprir os seus objectivos de redução de emissões, Portugal precisa de encontrar um equilíbrio entre a pressão para a mitigação de emissões e o desenvolvimento económico.
Da COP15, que aconteceu em Copenhaga em 2009, saíram duas grandes metas assumidas pelos países desenvolvidos para 2020: reunir um financiamento climático anual de 100 mil milhões de dólares (cerca de 94 mil milhões de euros por ano) e definir objectivos quantificados para mitigar as emissões, de preferência reforçando as metas assumidas no Protocolo de Quioto.
Quinze anos depois, o “fantasma de Copenhaga” – uma Cimeira do Clima que terminou com os países menos desenvolvidos a rejeitarem o acordo feito à medida dos países mais industrializados – regressa com o aviso de que continuam por cumprir muitos dos compromissos assumidos. E não apenas em termos de financiamento, cuja meta acabou por ser atingida apenas em 2022 (e só soubemos este ano, através de dados da OCDE).
Em matéria de redução de emissões, uma análise mais fina mostra que também houve falhas – e Portugal está entre os países que, apesar do esforço, não conseguiu atingir as metas de mitigação propostas na altura, ao lado de países como Chipre, Eslovénia, Espanha ou Países Baixos.
Os dados constam de um estudo liderado por investigadores da University College London (UCL) e da Universidade de Tsinghua, de Pequim, num dos primeiros esforços para avaliar exaustivamente até que ponto os países conseguiram cumprir as suas promessas de redução em 2009.
Análise fina
A novidade, por comparação ao que já se sabia, é que os investigadores compararam os objectivos de redução de emissões prometidos na COP15 com as emissões líquidas reais de carbono de mais de 30 nações.
O estudo, publicado em Abril na revista Nature Climate Change, mostra que 19 dos 34 países inquiridos não conseguiram cumprir integralmente os seus compromissos climáticos para 2020, estabelecidos há 15 anos em Copenhaga.
Aliás, 12 deles “falharam redondamente”, incluindo os países da Península Ibérica. “Embora as emissões de Portugal e Espanha tenham mostrado uma tendência descendente após 2005, ainda não conseguiram cumprir as metas de uma redução de cerca de 20-30% [assumida pelo bloco da União Europeia] em relação a 1990”, lê-se no estudo. De acordo com esta análise exaustiva, Portugal chegou a 2020 com uma redução de 16,8% nas emissões. (Por comparação, os dados da Agência Europeia do Ambiente colocam essa redução um pouco acima, em 19,9%.)
Mais do que apontar o dedo, conhecer estes resultados traz pistas sobre o que é possível fazer melhor no planeamento das metas: “Um olhar sobre a aplicação das metas de mitigação de Copenhaga pode fornecer informações importantes sobre a prática e a viabilidade de avançar para objectivos de neutralidade climática.” A dificuldade de conciliar o crescimento económico com a redução de emissões, por exemplo, é um desafio que é urgente resolver para que os países em desenvolvimento não sejam prejudicados.
Começo tardio
Como descrever o perfil de Portugal no meio deste grupo? “As emissões globais de Portugal registaram uma tendência de diminuição após um pico em 2005, seguido de um pequeno pico em 2017”, nota a investigadora Jing Meng, uma das autoras do estudo, que completa: “Em comparação com 1990, o objectivo de emissões territoriais não foi alcançado.”
Os investigadores analisaram os principais factores que determinam o impacto dos países nas emissões em diferentes períodos de tempo. No caso de Portugal, “na fase inicial, a economia centrava-se nos combustíveis fósseis e o aumento da intensidade energética teve um impacto significativo nas emissões”, descreve a investigadora, em resposta ao Azul por email. A partir de 2010, registam-se esforços para reduzir as emissões.
Olhando para os dados, poderá dizer-se que Portugal tem dificuldade em alinhar o crescimento económico – o principal motor do nosso aumento de emissões – com o objectivo de redução das emissões? “O efeito de compensação [offsetting] da intensidade energética e da estrutura energética no crescimento económico está a aumentar. As situações e os sinais estão a tender para a melhoria.”
E agora?
Este artigo académico foi concluído antes da COP28, onde foi aprovado o balanço global (global stocktake, ou GST) sobre as contribuições dos países para atingir o Acordo de Paris. No GST, os países lançaram também as bases para as próximas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês), com a promessa de “transição para o abandono dos combustíveis fósseis”.
Será que esse GST responde aos desafios apontados no estudo? “Sim, o GST respondeu a isso em certa medida, numa perspectiva mais macro”, reconhece a investigadora.
O problema de não cumprir os objectivos – neste caso, os que foram definidos até 2020 – é que “a pressão terá impacto na fase seguinte dos objectivos de redução das emissões”, diz Jing Meng. “Os países que não conseguiram cumprir as suas metas da COP15 encontrarão provavelmente desafios ainda mais substanciais no futuro. Estes desafios vão para além da redução das emissões e abrangem a intrincada interacção entre a redução das emissões e o estímulo ao crescimento económico”, lê-se no artigo publicado na Nature Climate Change.
As boas notícias para Portugal: tendo em conta os resultados da redução de emissões após 2010, “acreditamos que existe uma oportunidade”, diz a investigadora.
Não há uma única receita
Uma das questões fulcrais para que isso aconteça é um acompanhamento mais preciso dos esforços rumo à neutralidade carbónica, tendo em conta que não existem soluções milagrosas, ou seja, não se deve aplicar a mesma fórmula para países com perfis diferentes. “Esperamos que os decisores políticos e os cientistas prestem atenção suficiente às questões das emissões e do aumento da temperatura e estabeleçam mecanismos de acompanhamento dos objectivos com base na situação do país”, sublinha a investigadora.
“Dado que as emissões globais de combustíveis fósseis continuam a aumentar, uma aplicação e um acompanhamento mais eficazes das políticas podem garantir que as energias limpas substituam os combustíveis fósseis”, reforça Jing Meng.
Com aquecimento global sem precedentes e muitas regiões a registar temperaturas recorde e fenómenos meteorológicos extremos frequentes, quais são os maiores desafios que Portugal tem pela frente para fazer a sua parte na mitigação das emissões? “Equilibrar a pressão da redução das emissões com o desenvolvimento económico é a questão crucial, especialmente tendo em conta os insuficientes esforços iniciais na redução das emissões”, diz a investigadora.
E os outros?
O grupo que atingiu os seus objectivos de redução das emissões – recorde-se que alguns dos objectivos, em particular fora da UE, são bastante mais modestos – é constituído pela Bulgária, Croácia, Dinamarca, Estónia, Finlândia, Alemanha, Grécia, Itália, Letónia, Lituânia, Roménia, Eslováquia, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos.
A maioria destes países cumpriu os seus objectivos em matéria de emissões aumentando a quantidade de energia limpa produzida (em particular através do abandono do carvão) ou utilizando a energia produzida de forma mais eficiente.
No outro extremo estão os países onde o aumento do consumo – associado ao aumento do PIB per capita e da população – ultrapassou os seus esforços para aumentar a eficiência. Esses 12 países que não cumpriram os seus compromissos da COP15 foram Austrália, Áustria, Canadá, Chipre, Eslovénia, Espanha, Irlanda, Japão, Noruega, Países Baixos, Portugal e Suíça.
Fugas de carbono
E há ainda um grupo intermédio, constituído pela Bélgica, Chéquia, França, Hungria, Luxemburgo, Malta e Polónia, onde se identificou uma curiosa questão de contabilidade de emissões.
“Como as metas estabelecidas pelos países na COP15 em Copenhaga se baseiam na contabilidade territorial, os países podem atingir os seus objectivos externalizando as emissões para outros países – a chamada ‘fuga de carbono’ ou ‘transferência de carbono’”, escrevem os investigadores.
Para monitorizar estas “fugas de carbono”, os investigadores recorreram a uma metodologia para analisar as emissões baseadas no consumo, que tem em conta não só as emissões provenientes de actividades económicas dentro das fronteiras, mas também a pegada de carbono dos bens importados.
As soluções, contudo, estão em andamento. A União Europeia está a dar os primeiros passos para implementar o mecanismo de ajuste de carbono nas fronteiras (CBAM, na sigla em inglês), um imposto sobre as importações que, neste momento, está a obrigar as empresas a cobrar dos seus fornecedores internacionais informações sobre a pegada de carbono dos seus produtos. A taxa entrará em vigor apenas em 2026, depois de um período de transição que começou no ano passado.