Caro leitor,

Foram conhecidos, esta semana, os resultados do projecto-piloto da semana de quatro dias, patrocinado pelo anterior Governo e apadrinhado por Pedro Gomes, professor na Universidade de Londres. A iniciativa abrangeu de forma directa 21 empresas e 332 trabalhadores, mas o universo avaliado foi praticamente o dobro.

Entre as conclusões mais significativas está aquela que dá conta da percepção entre os trabalhadores envolvidos de que a redução do tempo de trabalho representou quase 30% da sua remuneração. Mas se não houve corte salarial, o que significa isto? Para os autores do estudo, esta percepção tenta materializar uma componente da vida laboral que não é fácil de captar. O valor do tempo.

Entre as pessoas inquiridas que mais valor atribuem ao tempo livre que é criado pelo facto de poderem trabalhar menos um dia por semana, destacam-se os trabalhadores com baixas qualificações, salários inferiores a 1100 euros e que, normalmente, têm horários mais rígidos. Para estes profissionais, o valor do tempo pode chegar a 36,7% do salário.

Para Pedro Gomes, esta circunstância – surpreendente e que tira algum gás ao debate mais ideológico em torno deste tema – ilumina uma componente das rotinas sociais ou familiares que se desenvolvem muitas vezes na obscuridade da análise meramente contabilística.

"As pessoas com mais qualificações já têm mais flexibilidade horária ou possibilidade de fazer teletrabalho e um dia de descanso extra não tem assim tanto valor". Mas para o tal universo de pessoas com salários mais baixos e menos flexibilidade, "um dia livre por semana ou a cada duas semanas tem um impacto muito grande na sua vida".

No fundo, quem ganha mais, pode "comprar tempo livre" para acomodar as componentes da vida mais prosaicas. Seja contratar serviços de limpeza, comprar comida feita ou assumir despesas com tarefas domésticas ou com transporte que, todas juntas, libertam tempo. Quem "ganha menos enfrenta a mesma pressão de tempo, mas tem menos capacidade financeira para comprar serviços que libertem tempo", o que faz com que aprecie "mais o dia livre, que lhe permite realizar actividades que antes eram mais difíceis de conciliar", ilustra Pedro Gomes.

Esta reflexão é fortalecida pelas respostas do inquérito que indicam que as mulheres valorizam mais a semana de quatro dias do que os homens, bem como os trabalhadores com filhos.

Para os autores do estudo, estes dados dão argumentos a quem acredita que a semana de quatro dias é uma ferramenta da organização laboral que deve ser tida em conta em toda a cadeia laboral, não apenas para atrair talentos altamente qualificados, mas também para valorizar as carreiras noutras áreas onde dominam os baixos salários e a rigidez laboral.

Mais uma vez, os dados recolhidos apontam para isso mesmo: os trabalhadores com qualificações abaixo da licenciatura foram os que atribuíram um maior valor à redução do tempo de trabalho: 36,7% do salário. E o mesmo aconteceu com os trabalhadores com pouca autonomia na escolha do horário.

Independentemente da tensão sempre presente entre os defensores de modelos mais ou menos progressistas no mundo do trabalho – seja por quem queira impor mudanças para inverter as dinâmicas de desigualdade, por oposição aqueles que querem sobretudo afirmar o estatuto dominante que os beneficia –, este diagnóstico deve ser considerado pelas empresas e estruturas de trabalhadores para enriquecer o debate em torno da modernização das relações laborais. São coisas simples, não necessitam de grupos de trabalho, análise de consultoras ou de projectos académicos sobre valorização de carreiras ou custo do trabalho.

Se uma empresa conseguir organizar a sua rotina laboral de forma a libertar tempo para que um trabalhador possa acomodar as suas necessidades pessoais de modo a ficar mais disponível mental e fisicamente para trabalhar, é difícil arranjar argumentos para escolher outro modelo. Se um trabalhador, reconhecendo que a pressão salarial pode condicionar o crescimento da empresa e a sua posterior valorização, aceitar "receber" mais tempo para poder lidar com a sua precariedade salarial, também mais facilmente aceitará a mudança de regime.

Caro leitor, entre trabalhador e patrão, a fricção dialéctica tem menos a ver com as soluções disponíveis para resolver problemas, mas mais com a natureza da relação entre duas forças historicamente antagónicas. A semana de quatro dias é uma nova ferramenta para essa contenda. E só vem enriquecer essa relação em busca do delicado equilíbrio que garanta que a as duas partes são bem-sucedidas nas suas ambições.

Obrigado.

Trabalho extra

Um relatório para guardar

Ainda sobre a semana dos quatro dias de trabalho, e porque este é um tema que importa para quem acompanha as tendências no mundo laboral, vale a pena guardar o relatório completo final deste projecto-piloto. Se quiser saber mais detalhes sobre as conclusões a que investigadores, empresas e trabalhadores chegaram, tem aqui o relatório final completo. São 202 páginas de muita informação que promete dar que falar. O estudo será apresentado pelos autores Pedro Gomes (Birkbeck, Universidade de Londres) e Rita Fontinha (Henley Business School) na Universidade do Porto esta quinta e sexta-feira. 

A regra da transparência salarial

A Directiva da Transparência Salarial da União Europeia (UE) determina que, até Junho de 2026, as empresas do espaço comunitário serão obrigadas a partilhar informações sobre o montante a pagar a mulheres e homens por trabalho de valor igual. Ou seja, faltam dois anos. A empresa de recursos humanos Mercer fez um estudo no qual avalia se as empresas portuguesas estão preparadas para esta nova exigência. E os resultados foram os seguintes: 40% das organizações ainda não conhece bem esta directiva e as implicações da mesma; 59% das organizações estão a trabalhar sobre o tema da transparência; 33% das organizações referem ter uma familiaridade limitada com a directiva e ainda estão a compreender como abordar o assunto, e 50% das organizações admitem ter de fazer mudanças moderadas ou mesmo significativas à actual gestão da compensação.

Não estudar, nem trabalhar

O Eurostat publicou recentemente dados sobre os jovens que não estudam nem trabalham, a que se costuma chamar "nem-nem". De acordo com o gabinete de estatísticas da UE, no ano passado, um em cada dez jovens entre os 15 e os 29 anos não estudava nem trabalhava. Aqui podemos perceber que um dos motivos que levou uma jovem a ficar numa situação destas foi o facto de não ter encontrado trabalho quando terminou o seu curso. "Só queriam pessoas com anos de experiência", contou Alexandra Silva ao P3. Apesar de existirem jovens que se encontram na situação de "nem-nem", os dados têm vindo a melhorar nos últimos anos. Em 2023, os "nem-nem" eram 11,2% do jovens europeus, mas dez anos antes eram 16,1%.