O carrossel português girou no sentido contrário

Portugal mudou de pele para o último jogo da fase de grupos e deu-se mal. Mérito de uma Geórgia que continua a fazer história nos relvados do Euro 2024.

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Khvicha Kvaratskhelia festeja o primeiro golo da Geórgia Bernadett Szabo / REUTERS
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Uma selecção com história para escrever passou por cima de uma selecção que fechou o livro da primeira fase mesmo antes de entrar em campo. A Geórgia termina o Grupo F do Euro 2024 no terceiro lugar e com o rótulo de sensação do torneio, graças a um triunfo justo (2-0) sobre um candidato ao título que não resistiu à mudança de pele. É certo que Portugal já tinha os oitavos-de-final garantidos, mas continua a não ter a fórmula para lidar com blocos baixos. E esse pode muito bem vir a ser o modus operandi da Eslovénia na próxima ronda.

A palavra revolução não entra no dicionário futebolístico de Roberto Martínez, mas nesta quarta-feira houve muitos jogadores a tirarem bilhete para subirem para um carrossel já em andamento. Foram oito, para sermos precisos, obedecendo a uma lógica de gestão que o agora seleccionador de Portugal já tinha adoptado ao comando da Bélgica. O apuramento estava assegurado, o torneio implica jogos de quatro em quatro dias e era necessário acautelar todas as frentes. Sem comprometer a obrigatoriedade de ganhar, claro está.

Portugal — e toda a Europa do futebol — estava avisado para o perigo que representa um adversário sem nada a perder. E se, por absurdo, não estivesse a par, recebeu um choque de realidade logo aos 2’, quando António Silva abriu uma via rápida a Mikautadze e obrigou Danilo a transitar com bola descoberta. O avançado do Metz assistiu Kvaratskhelia e o melhor dos números sete em campo na partida fez o golo.

Ok, agora soavam as campainhas e Portugal ia reagir em força, certo? Nem por isso. Houve, isso sim, uma espécie de remake da primeira parte diante da República Checa, com muita posse nos últimos 30 metros, muito controlo, mas sem dinâmica e sem soluções de passe para entrar no bem oleado 5x3x2 da Geórgia. Ia ser preciso mais para fazer mossa.

É verdade que, depois do primeiro remate (um livre de Ronaldo à figura, aos 17’), houve muitos outros concorrentes: António Silva (21’), Palhinha (23’ e 43’), Francisco Conceição (28’) e João Félix (30 e 45’), mas quase sempre de fora da área ou já sem espaço para definir. Era tudo demasiado lento e previsível e, acima de tudo, ficava no ar uma ideia clara: a Geórgia corria mais, metia mais o pé, queria mais.

Ao intervalo, Cristiano Ronaldo protagonizou o segundo momento de revolta na direcção do quarto árbitro, à saída para os balneários, ainda por causa de um lance na área da Geórgia em que foi agarrado pela camisola, por Lechoshvili. Não houve penálti, mas houve amarelo para o capitão português, que daí em diante foi acumulando perdas de bola e frustração.

A saga prosseguiu no reatamento, quando após um canto acertou na cabeça de um dos centrais, quando voltou a pedir um penálti e quando foi substituído por Gonçalo Ramos, aos 66’. Só que nessa altura Portugal já perdia por 2-0, fruto de um segundo erro de palmatória de António Silva, a tocar em Kiteishvili na área. A falta passou impune em tempo real, mas o VAR forçou a rectificação e Mikautadze fez o terceiro golo no torneio, aos 58’.

A reacção dos adeptos da Geórgia dizia tudo. Não estavam só a contrariar as probabilidades, estavam a provocar a maior surpresa do Europeu. Um estreante a vencer um candidato ao título. Uma equipa que jogou quase sempre sem bola a combater as estatísticas. Willy Sagnol a mostrar a Roberto Martínez que ter muita qualidade individual está longe de se traduzir numa ideia de jogo de qualidade.

O caso era bicudo e o seleccionador de Portugal, que aos 46’ já tinha substituído Palhinha por Ruben Neves (sem efeitos), procurou incutir nova dinâmica pelos corredores, primeiro com Nelson Semedo (Dalot passou a ser o central da direita) e depois com Diogo Jota. O resultado foi parcialmente o esperado, mais situações de desequilíbrio nos corredores laterais e mais cruzamentos, mas sem o toque de Midas na área.

E se ofensivamente o plano era mais do que previsível e executado à velocidade de um carrinho de mão, com muita gente entre linhas mas sem capacidade para fazer combinações curtas que libertassem espaço, defensivamente também houve problemas de sobra. Mesmo com poucos elementos na transição, a Geórgia saiu várias vezes da pressão com critério, lançou ataques verticais e criou mais um par de boas ocasiões — como uma toupeira que desaparecia de um buraco quando o dono do jardim lá chegava para aparecer imediatamente noutro.

A Geórgia estava a viver o momento mais alto da sua história futebolística e os adeptos retribuíram com uma ovação a condizer, sabendo que, às custas de Portugal, Espanha vai estar ainda mais alerta diante deste estreante convertido em estrela. Quanto a Portugal, tem quase cinco dias para mostrar que é capaz de voltar a entrar nos eixos e que, mais relevante, tem soluções para quebra-cabeças deste teor.

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