Manifestação contra subida de impostos no Quénia causa pelo menos cinco mortos

Manifestantes tentaram invadir Parlamento na capital queniana, Nairobi. Protestos espalharam-se por várias cidades do país.

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Os manifestantes protestam contra as reformas económicas do Presidente William Ruto DANIEL IRUNGU / EPA
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Os manifestantes tentam obstruir o caminho a um veículo da polícia Monicah Mwangi / REUTERS
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Dezenas de manifestantes tentaram invadir o edifício do Parlamento, em Nairobi DANIEL IRUNGU / EPA
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Pelo menos cinco manifestantes foram mortos esta terça-feira em confrontos com as forças de segurança do Quénia, na capital, Nairobi, depois de dezenas de pessoas terem tentado invadir o Parlamento do país, em protesto contra as controversas reformas económicas do Presidente William Ruto, incluindo um aumento de impostos.

Em cenas caóticas, os manifestantes dominaram a polícia e afugentaram-na, numa tentativa de invadir o recinto do Parlamento, tendo a Citizen TV noticiado que tinham conseguido entrar no hemiciclo do Senado no início do dia.

A polícia abriu fogo depois de não terem conseguido dispersar a multidão com gás lacrimogéneo e canhões de água.

Um jornalista da Reuters contou os corpos de pelo menos cinco manifestantes à porta do Parlamento. Um paramédico, Vivian Achista, disse que pelo menos dez pessoas tinham sido mortas a tiro. Outro paramédico, Richard Ngumo, disse que mais de 50 pessoas tinham sido feridas pelos disparos da polícia.

“Queremos encerrar o Parlamento e todos os deputados devem demitir-se”, disse à Reuters o manifestante Davis Tafari, que estava a tentar entrar no Parlamento. “Vamos ter um novo governo”.

A activista queniana Auma Obama, meia-irmã do antigo Presidente dos EUA, Barack Obama, estava entre os manifestantes atingidos por gás lacrimogéneo durante as manifestações, segundo relatou a CNN.

A polícia acabou por conseguir expulsar os manifestantes do edifício por entre nuvens de gás lacrimogéneo e o som de tiros. Os deputados saíram do Parlamento através de túneis subterrâneos, informaram os media locais.

Os serviços de Internet em todo o país também sofreram graves interrupções durante a repressão policial, informou o monitor de Internet Netblocks.

Houve também protestos e confrontos em várias outras cidades e vilas do país, com apelos à demissão do Presidente William Ruto e palavras de ordem contra o aumento dos impostos.

O Parlamento aprovou o projecto de lei das finanças, passando-o para uma terceira leitura pelos deputados. O passo seguinte é enviar a legislação ao Presidente para assinatura. Ruto poderá, a seguir, enviar o documento de volta ao Parlamento se tiver alguma objecção.

William Ruto ganhou as eleições há quase dois anos com base numa plataforma de defesa dos trabalhadores pobres do Quénia, mas tem sido apanhado entre as exigências concorrentes de credores como o Fundo Monetário Internacional, que está a tentar forçar o Governo a reduzir o défice para obter mais financiamento, e uma população em dificuldades.

Os quenianos têm-se esforçado por fazer face aos vários choques económicos causados pelo impacto persistente da pandemia de covid-19, pela guerra na Ucrânia, por dois anos consecutivos de seca e pela desvalorização da moeda.

O projecto de lei das finanças visa arrecadar mais 2,7 mil milhões de dólares (2,5 mil milhões de euros) em impostos, como parte de um esforço para aliviar a pesada carga da dívida, em que só o pagamento de juros consome 37% das receitas anuais.

O líder da oposição, Raila Odinga, apelou a que o projecto de lei das finanças fosse imediata e incondicionalmente retirado para abrir caminho ao diálogo.

“Estou perturbado com os assassínios, prisões, detenções e vigilância perpetrados pela polícia contra rapazes e raparigas que apenas procuram ser ouvidos sobre as políticas fiscais que estão a roubar o seu presente e o seu futuro”, afirmou em comunicado.

O Governo já fez algumas concessões, prometendo eliminar os novos impostos propostos sobre o pão, o óleo alimentar, a propriedade de automóveis e as transacções financeiras. Mas isso não foi suficiente para satisfazer os manifestantes.

Os protestos desta terça-feira começaram num ambiente festivo, mas à medida que a multidão aumentava, a polícia disparou gás lacrimogéneo no distrito comercial central de Nairobi e no bairro pobre de Kibera. Os manifestantes abrigaram-se e atiraram pedras contra os agentes da polícia.

A polícia também disparou gás lacrimogéneo em Eldoret, a cidade natal de Ruto, no Oeste do Quénia, onde multidões de manifestantes encheram as ruas e muitos estabelecimentos comerciais foram encerrados por receio de violência.

Também houve confrontos na cidade costeira de Mombaça e manifestações em Kisumu, no lago Vitória, e em Garissa, no Leste do país, onde a polícia bloqueou a estrada principal para o porto somali de Kismayu.

Em Nairobi, as pessoas gritaram “Ruto deve sair” e a multidão cantou em swahili: “Tudo pode ser possível sem Ruto”. A música tocava nos altifalantes e os manifestantes agitavam bandeiras do Quénia e sopravam apitos nas poucas horas que antecederam a escalada da violência.

Movimento orgânico

Milhares de pessoas saíram às ruas de Nairobi e de várias outras cidades durante dois dias de protestos na semana passada, à medida que um movimento online liderado por jovens ganhava força.

Os protestos no Quénia têm sido normalmente convocados por líderes políticos que se têm mostrado receptivos a acordos negociados e a acordos de partilha de poder, mas os jovens quenianos que participam nas actuais manifestações não têm um líder oficial e têm vindo a tornar-se cada vez mais ousados nas suas exigências.

Embora os manifestantes se tenham concentrado inicialmente na lei das finanças, as suas exigências alargaram-se para exigir a demissão de Ruto.

A oposição recusou-se a participar na votação no Parlamento, gritando “rejeitar, rejeitar” quando a assembleia analisou os pontos um a um. O projecto de lei será depois submetido a uma terceira e última votação por aclamação no plenário.

O Ministério das Finanças diz que as alterações iriam abrir um buraco de 200 mil milhões de xelins quenianos (1,4 mil milhões de euros) no orçamento de 2024/25 e obrigar o Governo a fazer cortes nas despesas ou a aumentar os impostos noutras áreas.

“Estão a fazer um orçamento para a corrupção”, disse o manifestante Hussein Ali, 18 anos. “Não vamos ceder. É o Governo que vai recuar. Não somos nós.”

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