Freiras espanholas excomungadas por se rebelarem contra Vaticano

Grupo de freiras de clausura, pertencentes à ordem das Clarissas, anunciou que já não reconhecia a autoridade do Vaticano e alegou que estava a ser “perseguido” por causa de um negócio imobiliário.

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Dez freiras de Belorado foram excomungadas pela Igreja Católica espanhola no passado sábado MARK MAKELA / REUTERS
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Um conflito imobiliário, um grupo de freiras rebeldes e um autoproclamado bispo. Esta frase resume o conflito que se arrasta há mais de um mês e que culminou, no passado sábado, na excomunhão de dez freiras pela Igreja Católica espanhola.

Comecemos pelo início: em meados de Maio, um grupo de freiras que vive num convento do século XV em Belorado, na rota de peregrinação do Caminho de Santiago, perto de Burgos, no Norte de Espanha, anunciou que já não reconhecia a autoridade do Vaticano e alegou que estavam a ser “perseguidas” por causa de um negócio imobiliário.

Segundo o El País, as freiras recorreram às redes sociais para divulgar uma carta de abandono e um manifesto com mais de 70 páginas, em que deixam clara a ruptura com o Vaticano e em que afirmaram que se aliaram a Pablo de Rojas Sánchez-Franco, um padre excomungado considerado herege pela Igreja.

“A partir de hoje, dia de Nossa Senhora de Fátima do ano de 2024, a nossa comunidade (Belorado e Orduña), saindo da Igreja Conciliar a que pertencia, passa a fazer parte da Igreja Católica sob a tutela e jurisdição do seu ilustre reverendo Dr. Dom Pablo de Rojas Sánchez-Franco, bispo legítimo da Santa Igreja Católica”, afirmam as freiras no documento que é assinado pela madre abadessa Isabel de la Trinidad.

Afirmaram que o seu “manifesto” foi fruto de uma “reflexão amadurecida, meditada e consciente”, declarando que a sua decisão foi motivada pela “fidelidade a Cristo e à sua Igreja Católica, por quem estamos dispostos a dar a vida. Não tememos aqueles que podem matar o corpo, mesmo através de meios de coerção, imposição ou bloqueio de bens. Não podem fazer nada contra a alma, referiram.

As freiras de clausura, pertencentes à ordem das Clarissas, já se tinham tornado famosas pelos doces que confeccionavam (incluindo um biscoito com sabor de mojito). Escreve o El Mundo que os biscoitos e chocolates que saíam da sua oficina ultrapassavam fronteiras. Foi Pedro Subijana, chefe de cozinha três vezes galardoado com uma estrela Michelin, que as descobriu e as catapultou para a fama. Em 2016, as freiras quebraram as regras da clausura e participaram no congresso gastronómico Madrid Fusión.

Juntamente com o anúncio da cisão com a Igreja, o grupo referiu que jurou lealdade a Sánchez-Franco, uma figura controversa da Igreja espanhola. Este padre foi excomungado em 2019 devido ao seu apoio ao sedevacantismo, um movimento dentro do catolicismo tradicionalista que considera que a cadeira papal está vaga, uma vez que todos os papas desde Pio XII, que morreu em 1958, são hereges e impostores.

Sánchez-Franco lidera a União Devota do Apóstolo São Paulo, que apelida como a verdadeira igreja de Cristo”. O grupo religioso é considerado uma seita pela Igreja Católica, mas o padre excomungado apresenta-se como bispo e aparece em público com vestes episcopais.

Foi a anulação da compra de um convento que desencadeou todo o conflito. Em 2020, as freiras chegaram a um acordo com o bispado vizinho de Vitória para comprar, por 1,2 milhões de euros, o convento de Orduña, a cerca de 100 quilómetros a norte de Belorado. As irmãs iriam comprar e renovar esta propriedade para seu uso futuro. Para angariar fundos, pretendiam vender a mãos privadas um convento abandonado da Ordem das Clarissas, mas a Igreja bloqueou esta transacção, alegando que a propriedade estava destinada ao uso religioso.

Arcebispo pede que freiras abandonem convento

“É muito doloroso ouvir a madre superior dizer que o Papa é um usurpador”, disse o arcebispo de Burgos, Mario Iceta, que no sábado tomou a decisão de excomungar dez das 16 irmãs de Belorado. Seis freiras foram poupadas por serem consideradas demasiado vulneráveis ​para serem banidas do apoio da Igreja.

As freiras rebeldes foram chamadas a um tribunal eclesiástico, acusadas de cisma (palavra frequentemente aplicada a uma divisão do que antes era um único corpo religioso), mas o prazo para comparecerem expirou na sexta-feira. Num documento enviado ao gabinete do arcebispo, as freiras reafirmaram a sua “decisão unânime e irrevogável” de deixar a Igreja oficial e afirmaram que qualquer pena que lhes fosse imposta não tinha legitimidade.

Antes de tomar a decisão de excomungar o grupo de freiras, Mario Iceta pediu que as duas partes dialogassem para resolver a disputa, mas, por falta de resposta, acabou por enviar representantes, acompanhados por um oficial de justiça, ao convento para exigir que as freiras entregassem as chaves.

O arcebispo exige agora que as dez freiras excomungadas abandonem o convento. Dada a excomunhão e a expulsão da vida consagrada, as dez freiras não têm nenhum título legal para permanecer nos mosteiros e edifícios anexos, portanto terão de deixá-los, referiu Iceta numa conferência de imprensa em Belorado, dois dias após a excomunhão oficial das freiras.

Se não houver saída voluntária num futuro próximo, os serviços jurídicos não terão outra escolha a não ser iniciar uma acção legal, advertiu o arcebispo, sem dar um prazo às freiras. Não estabelecemos um prazo porque não queremos agir precipitadamente, queremos ser muito respeitosos e esperamos que elas percebam que, como já não são freiras, não pertencem aos mosteiros e não deveriam estar naquele lugar, acrescentou.

O site espanhol Religión Digital escreveu nesta segunda-feira que era improvável que as freiras excomungadas saíssem voluntariamente, uma vez que já tinham insistido, através de um porta-voz, que eram as legítimas proprietárias dos bens do convento. Segundo refere a agência AFP, as freiras entraram com uma acção judicial contra a Igreja por “abuso de poder”. Na sua conta recentemente criada no Instagram, acusaram a arquidiocese de ter bloqueado as suas contas bancárias, impedindo-as de comprar “bens básicos”.

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