Quem é Assange, porque viveu na embaixada do Equador e o que é o caso Wikileaks?

Julian Assange saiu da prisão esta terça feira depois de quase 14 anos de batalha judicial. Deverá declarar-se culpado à justiça norte-americana na ilha de Saipan.

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Julian Assange está há quase 14 anos numa batalha contra a justiça, entre a Suécia, Reino Unido e os EUA Peter Nicholls / REUTERS
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O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, que foi libertado da prisão na manhã desta terça-feira, deverá vir a ser declarado culpado por violar a lei de espionagem dos Estados Unidos da América (EUA) numa decisão que encerrará a sua prisão e uma longa odisseia jurídica envolvendo a divulgação de centenas de milhares de documentos militares secretos dos EUA. Eis então algumas perguntas e respostas sobre todo o processo judicial que o envolveu.

Quem é Julian Assange?

Assange nasceu em Townsville, na Austrália, em Julho de 1971. Durante a adolescência, ganhou reputação como programador de computadores e, em 1995, declarou-se culpado e foi condenado e multado por pirataria informática. Com pouco mais de 20 anos, ingressou na Universidade de Melbourne para estudar Matemática e Física.

O que é a WikiLeaks?

Assange lançou a WikiLeaks em 2006, criando um sistema de "entrega de cartas mortas" na Internet para os potenciais informadores.

O site ganhou destaque em Abril de 2010, quando publicou um vídeo secreto que mostrava um ataque de helicóptero dos EUA em 2007 que matou uma dúzia de pessoas na capital iraquiana, Bagdade, incluindo dois jornalistas da Reuters.

Em 2010, divulgou mais de 90 mil documentos militares secretos dos EUA sobre a guerra no Afeganistão e cerca de 400 mil ficheiros secretos dos EUA sobre a guerra do Iraque, naquelas que foram as maiores quebras de segurança do género na história militar dos EUA.

Já em 2011, divulgou 250 mil telegramas diplomáticos secretos de embaixadas americanas em todo o mundo, alguns dos quais foram publicados por jornais como o The New York Times e o britânico The Guardian.

As fugas de informação enfureceram e envergonharam os políticos e militares norte-americanos, que disseram que as fugas colocavam vidas em risco.

A ex-analista dos serviços secretos do exército norte-americano Chelsea Manning cumpriu sete anos numa prisão militar por ter fornecido as mensagens e telegramas à WikiLeaks, antes de ser libertada na sequência de um perdão atribuído pelo então Presidente Barack Obama.

A plataforma voltou à ribalta antes das eleições presidenciais norte-americanas de 2016, quando publicou dezenas de milhares de mensagens de correio electrónico pertencentes ao presidente da campanha da candidata democrata Hillary Clinton.

Em 2020, um relatório do Senado dos EUA dizia que a Rússia tinha usado a WikiLeaks para ajudar o republicano Donald Trump a vencer as eleições. Trump rejeitou o relatório considerando uma farsa e a Rússia sempre negou ter interferido nas eleições.

Porque é que Assange foi detido?

Um tribunal sueco ordenou a detenção de Assange em Novembro de 2010, na sequência de uma investigação envolvendo alegações de crimes sexuais feitas por duas voluntárias suecas da WikiLeaks. Assange foi detido pela polícia britânica em Dezembro de 2010 com base num mandado de detenção europeu emitido pela Suécia.

Assange negou as alegações e disse, desde o início, que se tratava de um pretexto para o extraditar para os Estados Unidos da América para enfrentar acusações sobre as publicações da WikiLeaks.

Porque é que Assange esteve tanto tempo na embaixada do Equador?

Em Junho de 2012, pouco depois de o Supremo Tribunal do Reino Unido ter rejeitado o seu último recurso contra a extradição para a Suécia, entrou na embaixada do Equador em Londres para pedir asilo.

O Equador concedeu asilo político a Assange em Agosto de 2012 e a polícia britânica montou uma guarda 24 horas por dia para impedir a sua fuga, dizendo que seria detido se saísse.

O impasse levou a que Assange vivesse em alojamentos apertados na embaixada. Os procuradores suecos desistiram da investigação em 2017, mas a polícia britânica afirmou que seria ainda assim detido se deixasse a embaixada por não ter pago a fiança.

Durante o período em que esteve na embaixada, teve dois filhos com a sua companheira Stella Moris. Casou com Stella em 2022, na prisão de Belmarsh.

Como acabou o impasse na Embaixada e como seguiu o seu processo na justiça?

Em 11 de Abril de 2019, Assange foi levado para fora da embaixada e detido depois de o Equador ter revogado o seu asilo.

No mês seguinte, foi preso durante 50 semanas por violar as condições da sua fiança. Em Junho de 2019, o Departamento de Justiça dos EUA pediu formalmente à Grã-Bretanha que o extraditasse para enfrentar 18 acusações de conspiração para invadir computadores do governo norte-americano e de violação às leis de espionagem.

Esse período na prisão terminou em Setembro de 2019 mas permaneceu na prisão de segurança máxima de Belmarsh, no Reino Unido, enquanto aguardava o julgamento relativo à extradição.

Já em 2021, um juiz britânico decidiu que Assange não devia ser extraditado, alegando que os seus problemas de saúde mental o colocavam em risco de suicídio.

As autoridades dos EUA venceram um recurso em Dezembro de 2021, depois de terem sugerido a possibilidade de Assange cumprir a pena na Austrália, se fosse condenado.

Em Junho de 2022, a Grã-Bretanha aprovou a sua extradição e, no ano seguinte, um juiz do Supremo Tribunal de Londres indeferiu um primeiro pedido de impugnação dessa decisão.

Em Fevereiro deste ano, a equipa jurídica de Assange pediu autorização para interpor um último recurso, argumentando que o caso tinha motivações políticas, era um atentado à liberdade de expressão e ao jornalismo e que Assange poderia enfrentar a pena de morte se fosse condenado.

O Supremo Tribunal rejeitou os seus argumentos, mas disse que os EUA tinham de dar garantias de que não seria condenado à pena de morte e que poderia invocar o direito à liberdade de expressão previsto na Primeira Emenda da Constituição norte-americana.

Mais tarde, o Supremo Tribunal disse que as alegações dos EUA não eram suficientes e autorizou Assange a interpor um recurso completo, um processo que demoraria meses.

A saída da prisão marca o fim da odisseia jurídica de Assange?

Depois da saída da prisão, ao abrigo de um acordo com as autoridades norte-americanas, Assange vai declarar-se culpado num tribunal dos EUA, na ilha de Saipan, no território norte-americana das Ilhas Marianas do Norte, de uma única acusação criminal de conspiração para obter e divulgar documentos confidenciais da defesa nacional dos EUA, de acordo com os registos judiciais. Deverá ser condenado a 62 meses de pena, já cumprida.