Quem vive num raio de cinco quilómetros de distância do aeroporto de Lisboa, ou seja, cerca de meio milhão de pessoas, tem um risco maior de sofrer de doenças como hipertensão, diabetes ou demência, devido à exposição à poluição de partículas ultrafinas emitida pelos aviões, segundo um estudo internacional divulgado nesta terça-feira pela associação ambientalista Zero.
A queima do combustível das aeronaves liberta minúsculas partículas de diferentes tamanhos, incluindo partículas ultrafinas, com menos de 100 micrómetros, que são cerca de mil vezes mais pequenas que um fio de cabelo. Apesar de haver cada vez mais indícios de que tem múltiplos efeitos negativos na saúde humana, este tipo de poluição está ainda insuficientemente regulado, salienta o estudo da Federação Europeia de Transportes e Ambiente, que analisou a ligação entre as partículas ultrafinas emitidas pelos aviões e a saúde das pessoas que vivem perto dos 32 aeroportos mais movimentados da Europa.
"O estudo sugere que milhares de casos de hipertensão arterial, diabetes e demência, em Lisboa e noutras cidades da Europa, podem estar ligados a estas partículas minúsculas emitidas pelos aviões. Mas Lisboa é a cidade que de longe mais concentra pessoas a viver, trabalhar e estudar nas imediações do aeroporto", refere a Zero, em comunicado.
Afecta 4% da população portuguesa
No caso da capital portuguesa, estão em causa cerca de 414 mil pessoas (cerca de 4% da população portuguesa), que vivem num raio de cinco quilómetros de distância do aeroporto Humberto Delgado. É, dos casos estudados, aquele em que mais pessoas vivem próximo de um aeroporto.
Estima-se que as partículas ultrafinas decorrentes da actividade do aeroporto de Lisboa possam estar na origem de 15.473 casos de hipertensão, 18.615 casos de diabetes e 1837 casos de demência entre a população da cidade de Lisboa e arredores. Estes números representam até 9% da população que vive neste raio de cinco quilómetros do aeroporto.
Os dados apontam para um risco de demência de 20%, de 12% para a diabetes e de 7% para a hipertensão arterial.
Esta estimativa foi feita a partir dos dados conhecidos para o aeroporto de Schiphol, em Amesterdão, nos Países Baixos, adiantou a Zero. Mas os valores de concentração de partículas ultrafinas medidas em torno de Schiphol situam-se entre 4000 e 30.000 partículas/cm3, um valor abaixo das 60.000-136.000 partículas/cm3 registadas pela Zero no Verão de 2023, em zonas altamente populosas em redor do aeroporto de Lisboa.
O estudo agora divulgado complementa o estudo da Universidade Nova de Lisboa de 2019 que demonstra que a concentração de partículas ultrafinas em algumas zonas de Lisboa sobe conforme a sua exposição à influência do aeroporto e movimento de aviões, diz a Zero. Dada a proximidade do aeroporto ao centro da cidade, os efeitos das partículas estendem-se por áreas significativas.
As zonas mais afectadas são as mais próximas do aeroporto, como Alvalade, Campo Grande e Cidade Universitária – onde se situam o Hospital de Santa Maria, universidades, escolas e jardins infantis –, e sob rota de aproximação e descolagem dos aviões, como as Avenidas Novas, Bairro do Rego, Amoreiras e Campolide.
Situação de Lisboa única na Europa
"Estas partículas são deixadas em suspensão no ar pelos aviões, dispersam-se amplamente na atmosfera e são invisíveis. Quando inaladas, passam facilmente através dos pulmões para a corrente sanguínea e espalham-se por todo o organismo, podendo originar problemas de saúde sérios a longo prazo, incluindo respiratórios, cardiovasculares, neurológicos, endócrinos e gestacionais", alerta a Zero.
A exposição de longo prazo às partículas com origem na aviação, salienta a Zero, resulta num número estimado de mortes prematuras entre 14.000 e 21.200 todos os anos.
Em Lisboa, "trata-se de uma situação que não encontra semelhança em mais nenhum outro aeroporto europeu, desastrosa para a saúde dos cidadãos de Lisboa que vivem e fazem a sua vida nestas zonas, agravando as doenças provocados pelo excesso de ruído", alerta a associação.
Regulamentação insuficiente
No total dos aeroportos considerados, a exposição às partículas ultrafinas pode estar associada a 280.000 casos de hipertensão, 330.000 casos de diabetes e 18.000 casos de demência.
"Até à data, não há regulamentação sobre os níveis seguros de partículas ultrafinas no ar, apesar de a Organização Mundial de Saúde (OMS) já ter alertado há mais de 15 anos que se trata de um poluente preocupante", lamenta a Zero.
A União Europeia aprovou já este ano limites para a poluição por partículas finas. Mas, apesar de os limites serem agora mais mais estritos, são ainda mais elevados do que os recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na revisão das regras que fez em 2021.
Por exemplo, o limite anual da exposição a partículas PM 2,5, que são das que maior impacto têm na saúde humana, foi revisto de 25 para dez microgramas por metro cúbico na directiva europeia. No entanto, o valor recomendado pela OMS é metade disso, cinco microgramas por metro cúbico por ano.
Encerrar aeroporto, usar combustíveis sustentáveis
Nesse sentido, para reduzir o impacto nas partículas ultrafinas na saúde, a Zero defende que não haja expansão da capacidade do aeroporto Humberto Delgado e o seu encerramento "para tão breve quanto possível", assim como a promoção da utilização de combustíveis sustentáveis.
O estudo salienta que o uso de combustível de aviação de melhor qualidade permite reduzir a emissão de partículas ultrafinas até 70%, pois quanto menos aromáticos e enxofre tiver, menor é a poluição gerada. Está nas mãos das autoridades exigir que as companhias de aviação usem um combustível mais limpo, sujeito a um processo de hidrotratamento, "e que tem um custo que pode ser menor do que 5 cêntimos por litro", salienta a Zero. "Contudo, as normas para produção de combustível para a aviação não o exigem", diz o comunicado da associação ambientalista.
Os dados mostram ainda que os trabalhadores dos aeroportos, em particular os que trabalham na pista, são quem está mais exposto aos efeitos das partículas ultrafinas, salienta a associação, pelo que há necessidade de criar medidas específicas para proteger a sua saúde, defendem.