Quando chega uma escuta de um qualquer processo à comunicação social, quando é feita uma acusação, as parangonas são grandes e maiores são os comentários nas redes sociais, condenando de imediato os ouvidos nessas escutas. Aliás, se estava a ser escutado é de imediato condenado. Já quando um processo chega ao fim, infelizmente na maior parte das vezes, muitos anos depois, e o visado é inocentado já não há parangonas, nem chamadas de primeira página. O resultado vem lá dentro do corpo do jornal, possivelmente numa notícia pequena.

Fazemos isto com tudo na vida e a prova é o modo como os leitores do PÚBLICO reagiram ao trabalho do neurocientista francês Michel Desmurget. Há três anos quando o entrevistei e aquele condenava o uso dos ecrãs por crianças e jovens, a entrevista foi dos textos mais lidos durante dias, volta e não volta, quando voltamos a divulgá-lo nas redes sociais, torna a subir a sua leitura e lá estão 20 ou 30 pessoas a ler uma entrevista já antiga. Esta semana, o cirurgião-geral dos EUA, o equivalente ao director-geral da Saúde português, voltou a alertar para o uso de ecrãs pelos mais novos, defendendo que devem ter alertas de perigo. O The Washington Post compilou algumas das conclusões da investigação sobre a relação das redes sociais com a saúde das crianças.

De regresso à entrevista de 2021 de Desmurget: Óptimo, nada a criticar até porque há muito a reter dessa conversa, mas agora o neurocientista regressa com a solução para o problema: a leitura. Volto a entrevistá-lo e o investigador explica, à luz da ciência — não deixa de ser curioso que as gentes das humanidades andam há décadas a dizer o mesmo, mas nada como a ciência exacta para vir comprovar tudo o que já foi dito! — que, de facto, a leitura modifica o nosso cérebro, é o antídoto para a estupidez, mas também para combater as desigualdades sociais, para criar sociedades mais inteligentes.

Há dias em que saímos do trabalho nas nuvens e falar com Desmurget foi um desses dias. Depois de publicada a entrevista, foi frustrante ver que não teve o impacto de leitura que a anterior. Só me apetecia ser um ardina e ir para a rua gritar "leiam, leiam". E volto à ideia das escutas e dos inocentes, gostamos de criticar, criticar, mas quando alguém aponta a solução, "olha, isso agora não interessa nada". Por isso, vou repisar aqui alguns pontos: Ler é importante, ler mesmo quando os miúdos não sabem ler, ler quando eles já são crescidos e já conseguem fazê-lo sozinhos. Porque ler é abrir auto-estradas no nosso cérebro, é aprender milhares de palavras que farão diferença quando eles crescerem e forem a uma entrevista de emprego, ler é afecto, é empatia, é tolerância, é conhecer a natureza humana, é termos uma sociedade mais igual. Ler para não chorar sobre o leite derramado pelas escolhas políticas que eles fazem, pela ignorância que tem impacto no futuro de todos nós.

Ler é conhecimento. Vale a pena ouvir Ana e Isabel Stilwell, que partem da série espanhola Machos Alfa, passam por Andrew Tate e desaguam na masculinidade tóxica que prende tantos rapazes, desde tão tenra idade. Aos pais, cabe contextualizar e transmitir-lhes confiança para que saibam crescer com mulheres com os mesmos sonhos e desejos que eles — a igualdade é isso mesmo e ser igual não é uma ameaça, nunca. Também Luísa Sobral, no arranque da segunda temporada do podcast Um Homem não Chora reflecte sobre a masculinidade e a educação dos quatro filhos, dois rapazes e duas raparigas, sublinhando a importância das emoções. "Gosto de ver o meu marido chorar; acho sempre que isso quer dizer que ele é uma pessoa sensível e bem resolvida."

Na educação de uma criança, o trabalho faz-se em colaboração entre pais e professores. Desmurget valoriza o trabalho destes profissionais e não lhes atribui culpas, mas alerta que se também eles chegarem à profissão com baixos níveis de leitura, também a educação está em risco. Elsa de Barros lamenta a perda de reconhecimento e respeito pelos docentes, como uma das causas para a pouca atractividade que a profissão tem e questiona: Quem vão ser os professores dos nossos filhos e netos? "Para que esse rejuvenescimento da profissão se concretize, é necessário garantir duas condições: primeiro, que haja candidatos para ingressar nos cursos de formação docente; segundo, que estes, depois de entrarem na profissão, se mantenham na carreira. Mas, para garantir estas duas condições, existe uma terceira condição que antecede estas duas: tornar a profissão mais atractiva."

A leitura mantém o nosso cérebro activo, idealmente, até mais tarde. Esta semana, conhecemos o espanhol Miguel Ángel e a norte-americana Virginia Hislop. O primeiro licenciou-se aos 90 e a segunda é mestre aos 105 anos — décadas depois de terem frequentado pela primeira vez a universidade, regressaram, um exemplo para tantos dos que ficam estagnados, à frente do televisor, uma riqueza para os colegas de carteira!

Há dias, num restaurante, ao pedir ao empregado para nos perguntar qualquer coisa no final da refeição, a resposta foi: "Com certeza, lembrar-me-ei." Eu e o meu marido ficámos admirados com a conjugação do verbo e já estamos naquela idade em que achamos que podemos perguntar tudo porque não estamos preocupados com o que vão pensar de nós. Ele falava correctamente inglês e o seu francês não envergonhava ninguém. Por isso, perguntámos se era filho de pais licenciados, que não, nem ele nem os pais, mas a namorada era e insistia com ele para que falasse correctamente. A futura mãe do seu filho — sim, já somos daquelas pessoas que queremos saber tudo, sobretudo de jovens que têm idade para serem nossos filhos — é licenciada em educação, acrescenta.

"Às vezes, eu também a corrijo!", sorri. Regozijámo-nos pela chegada de um bebé e por o pai ser um rapaz inteligente, que não se deixa intimidar por uma mulher com mais estudos que ele, por ser confiante. Terminámos a refeição com cumprimentos, desejos de felicidades e que leia muito ao futuro filho, mal este nasça — já não nos interessa o que pensam de nós, é este o nosso nível de confiança ou de bebedeira no final de um jantar. Mas ficámos verdadeiramente felizes e quase nos emocionámos ao comentarmos que há dias em que não temos qualquer esperança na humanidade, mas depois estas pequenas experiências restauram essa certeza num futuro melhor.

Boa semana!