Um serão doméstico no 50.º Festival de Espinho

O recital de Pierre Hantaï no sábado foi um momento memorável. Cerca de hora e meia de concerto sem intervalo decorreu sem o mínimo esforço para quem o ouviu, como se estivesse no seu salão privado.

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Cortesia: Festival de Música de Espinho
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Aos 60 anos, Pierre Hantaï é, há muito, uma figura mítica do cravo e da Música Antiga. Longe de ter sido a primeira vez que veio a Portugal, o recital do passado sábado consistiu na sua primeira apresentação no Festival Internacional de Música de Espinho (FIME): um momento memorável.

O serão começou com o cravista a partilhar importante informação sobre o programa que daria a escutar, num inglês matizado pelo indisfarçável sotaque francês, com voz suave e discurso pausado – muito diferente do tom assertivo com que habitualmente se apresenta um concerto. Rapidamente o Auditório de Espinho se transformou num salão doméstico, no qual o cicerone nos convidou a mergulhar confortavelmente no Barroco, contextualizando as obras que de seguida interpretaria.

Lembrando que Johann Sebastian Bach (1685-1750) passou grande parte da sua vida a ensinar, Pierre Hantaï prometeu interpretar uma escolha sua de peças que Bach compilou no Pequeno Livro para Wilhelm Friedemann, mas também no Livro para Anna Magdalena Bach, explicando que, para o primeiro, o grande mestre Barroco havia composto sobretudo prelúdios, enquanto que para o segundo havia composto danças e copiado outras peças para que a cantora pudesse dispor de música diversa. Cumpriu, começando com o coral Wer nur den lieben Gott lässt walten em lá menor, BWV 691, seguindo-se curioso alinhamento: a Allemande da Primeira Suite Francesa BWV 812, a Polaca em Sol Maior BWV Anh. 130, o primeiro Minueto da Segunda Suite Francesa BWV813, a Sarabanda da mesma suite, o Allegro BWV Anh. 129 e, também do livro de Anna Magdalena Bach, o rondó Les Bergeries de François Couperin, a que fez suceder a Polaca em sol menor BWV Anh. 125.

Público já plenamente conquistado, Pierre Hantaï apresentou um segundo grupo de peças: o coral Liebster Jesu, wir sind hier, seguido de 4 peças que disse ter “arranjado” em ré menor: o Prelúdio da Suite em sol menor para alaúde BWV 995 (mais conhecido na sua versão para violoncelo, da Suite nº 5, defendendo Hantaï que não se sabe qual será a original), Sarabande e Bourrée da Partita para violino BWV 1002 e, por fim, a Giga e o seu duplo da Suite BWV 997, composta para um tipo de cravo com cordas de tripa.

Rapidamente passou à Toccata em Mi Menor BWV 914 que, no início do concerto, o cravista havia descrito como uma peça de juventude composta ao estilo dos organistas do norte da Alemanha. A peça maior do programa viria a seguir, a Partita nº 3 em lá menor BWV 827.

Pierre Hantaï não explicou o porquê do curioso programa e respectivo alinhamento, mas cerca de hora e meia sem intervalo decorreu sem o mínimo esforço para quem o ouviu, como se estivesse no seu salão privado. Os entusiásticos aplausos da plateia valeram-lhe, clara está, um pouco mais de Bach, incluindo o Preâmbulo da Partita nº 5 em sol maior BWV 829.

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