Uma Geórgia anti-checos e anti-bullying
O desejo da Geórgia, para este sábado, no grupo de Portugal, é conseguir encarnar um papel anti-checos, frente à armada de Praga. Para isso, conta com gente boa – no futebol e na vida.
Alguma selecção do Euro 2024 pode gabar-se de ter no plantel não um, mas dois jogadores galardoados com prémios de fair-play por parte da FIFA e da UEFA? Provavelmente, não. Se a essas duas distinções juntarmos mais uma, atribuída à própria federação georgiana, então fica ainda mais improvável haver paralelo.
A equipa que vai entrar em campo neste sábado, frente à República Checa (14h, Sport TV1), tem duas boas histórias para contar – e vão além do talento de Kvaratskhelia, craque do Nápoles.
A primeira, mais simples, é sobre Luka Lochoshvili. O defesa de 26 anos, da Cremonese, foi distinguido pela sua acção em 2022, num jogo do campeonato austríaco, quando ajudou a salvar a vida a um adversário.
Georg Teigl, do Austria Vienna, caiu após uma colisão e, antes da chegada das equipas médicas, Luka quis agir perante a suspeita de paragem respiratória do jogador inconsciente. Sendo certo que a permeabilização das vias aéreas não foi feita como deveria ter sido – Luka colocou os dedos dentro da boca de Teigl, puxando-lhe a língua –, o relevante para a FIFA foi premiar não o conhecimento médico, mas a coragem e rapidez do jogador, que agiu rapidamente e tentou colocar o adversário em segurança.
Ganhou não apenas o prémio fair-play como uma distinção do estado de Kärnten, na Áustria. "Só podemos dar os parabéns ao Lochoshvili pelo seu comprometimento e agradecer. Mesmo quem tem treino médico pode ter dificuldade em assumir a responsabilidade nessa situação”, elogiou Manfred Schmid, então técnico do Austria Vienna.
Braçadeira LGBT
Mais rica é a história do capitão da selecção, Guram Kashia. O jogador de 36 anos é o líder desta equipa e conta já com uma considerável bagagem de luta por direitos humanos. Em 2017, a jogar pelo Vitesse, decidiu usar uma braçadeira arco-íris, de apoio à causa LGBT.
A acção do defesa georgiano valeu confrontos violentos promovidos por grupos de extrema-direita à porta da federação da Geórgia, além de ameaças de morte no seu país. Kashia quis manter-se firme na luta.
“Acredito na igualdade e não interessa aquilo em que cada um acredita, quem ama ou quem é. Vou sempre defender a igualdade, equidade e direitos iguais para todos”, disse Kashia, depois de a UEFA lhe atribuir o prémio #equalgame.
Kashia também já recebeu a ordem de excelência atribuída pelo então presidente georgiano, Giorgi Margvelashvili, em função das acções de direitos humanos e desenvolvimento do país.
Uma delas passou pela voz activa na luta contra o bullying nas escolas, flagelo que o próprio sentiu quando era criança.
Anti-bullying
Kashia contou que tinha medo de ir ao bar da escola, porque os estudantes mais populares, em grupo, lhe roubavam o dinheiro. Diz que, apesar de já jogar futebol – factor que algumas vezes reforça a popularidade – nunca teve muitos amigos nem pôde entrar no grupo dos mais populares. Não conseguia, portanto, enfrentar os bullies.
Como solução, já que nem aos pais contava nada, optava por faltar às aulas, enquanto lidava com fortes dores de estômago causadas pelo medo e o stress.
Os discursos de Kashia nas escolas têm passado por incutir nos jovens a ideia de que não é uma vergonha rapazes chorarem e que devem partilhar o bullying com alguém – Kashia diz arrepender-se de não ter falado com o seu irmão, que também andava na mesma escola.
“Se não conseguirem falar com ninguém, podem falar comigo no Instagram e pedir-me conselhos”, disse ainda o futebolista georgiano, num encontro com crianças.
Neste tipo de iniciativas, o jogador da Geórgia tem tentado ajudar o país, mesmo que a uma pequena escala, fazendo parte daquilo que a Federação local também já pôde fazer.
Quando venceu um prémio fair-play da FIFA, em 2018/19, a Federação georgiana ganhou 50 mil euros para doar a clubes com projectos de fair-play e respeito.