Depois da “união de facto” com Costa, Marcelo tem de fazer “igual” e “lutar para que o OE passe”
O ex-governante do PSD fala da “Primavera” que o novo Governo trouxe e diz que Pedro Nuno Santos é “binário” do ponto de vista político.
Nuno Morais Sarmento, ex-dirigente do PSD e antigo ministro Adjunto e da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, vê com bons olhos a "Primavera" que o novo Governo trouxe a um "Outono requentado". Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e PÚBLICO, o ex-governante elogia o caminho de Pedro Nuno Santos, mas também lhe aponta incongruências. Morais Sarmento acredita que o PS estará sob forte pressão para aprovar o Orçamento do Estado para 2025 e que caberá também ao Presidente da República garantir que o documento seja viabilizado.
Como ex-ministro da Presidência, considera que tem existido um esforço de negociação por parte deste PSD e do Governo?
Francamente, acho que sim. Podia fazer-se assim, podia fazer-se de outra maneira, com certeza. Dizer que não há, pelo menos, uma procura de negociação, acho que é negar a realidade. Depois podemos dizer que é mais bem feita ou mais mal feita, mais a tempo ou menos a tempo.
O PS acha que não. O PS também não tem tido a abordagem certa com esta maioria relativa?
O PS anda um bocadinho à procura. Pedro Nuno Santos anda à procura de saber se vai mais para uma postura de oposição, com vista a uma demissão do Governo ― a uma ruptura próxima ― ou não. Se olharmos à fotografia do imediatamente antes das eleições legislativas, tínhamos era um país progressivamente cansado. Nem era [cansado] do PS, era do Governo. E [tínhamos] um Governo que começava a estar cansado de si próprio. Aqueles que não tinham problemas começavam a achar demais estarem numa equipa, não digo de doidos, mas de constantes problemas, muitas vezes desnecessários. E aqueles que tinham problemas começavam a querer não estar, como o próprio Pedro Nuno Santos. Até António Costa. Muito do que o empurrou para aquela decisão [de demissão] foi essa sensação.
De frustração?
Olhe, o que era Cavaco Silva ao fim de nove ou dez anos? Foi o tempo que António Costa esteve à frente do Governo. Era ele que ia dizer “estão aqui os amanhãs que interessam e que podemos seguir”? Não era. Se nós olharmos para trás e tivermos esta fotografia, e agora olharmos ao dia de hoje, e saltarmos por cima da espuma de cada momento, no fundo, resolveu-se isto. É evidente que não é uma estratégia colectiva dos portugueses, mas até isso é um resultado que encaixa nisto.
O primeiro-ministro andou em campanha eleitoral nestas europeias, como acusou o PS?
Se o Governo não tivesse um calendário, como o que está a ter ― mesmo assim, em várias áreas, eu acho que está a ser demasiado lento ―, não chegava sequer a Outubro. Para que Outubro seja um momento possível de manutenção do Governo, de racionalidade política, pelo centro. Ele tinha sempre de ter este ritmo. E o PS e todos os outros sabem isto perfeitamente.
Assinalou que os portugueses estavam muito cansados. Em Abril dizia que os portugueses tinham vontade de uma grande mudança. O PS venceu as europeias. Ainda identifica essa vontade de mudança?
Se limpar as vírgulas todas, quem ganhou as eleições [legislativas] foi a AD. Acho que os portugueses têm uma atitude de desconfiança relativamente aos partidos todos que os leva a não termos festas de mudança, para um lado ou para o outro.
O que é que acha que aconteceu das legislativas até às europeias? Foi Pedro Nuno Santos que se fortaleceu, através das medidas que o PS aprovou no Parlamento?
Acho que Pedro Nuno Santos tem genericamente feito o caminho certo. Há uns dias em que ele é a evidência da racionalidade política, da necessidade, em que procura não dar mais casas aos extremos ― ainda por cima é só o extremo de um lado que neste momento factura ―, em que permite que, a bem do funcionamento da democracia, o Governo possa ter um tempo mínimo para governar. E há outros dias em que acorda de manhã e quer ser primeiro-ministro. Não há nenhuma linha vermelha. Mas uma coisa é dizer “vou votar contra as propostas do Governo”, outra é dizer ao Governo “vou brincar convosco e cada vez que vocês tiverem uma ideia não se preocupem que a gente vai fazer de forma diferente”.
Com que intenção é que Pedro Nuno Santos faz isso?
Porque sente que o PS quer as duas coisas. E depois ainda há aquele feitio dele, não é?
E vê no PS uma vontade de provocar eleições antecipadas?
Não. Mas, ao querer ir para lá da oposição normal, não tendo maioria para governar, e governar no Parlamento, é irresponsável.
Embora Luís Montenegro tenha dito “não é não”, também é verdade que ouvimos constantemente a AD a dizer que está a negociar “com todos, todos, todos”.
E muito bem.
Negociar com todos é uma forma de não se comprometer com “ninguém, ninguém, ninguém”?
O raciocínio é válido. Se o Governo não negociasse com “todos, todos, todos” e negociasse com alguns, alguns, alguns, estamos a ver o carnaval que era.
O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, mantém-se convicto de que o PS vai viabilizar o OE. Acredita que o “bom caminho” de Pedro Nuno Santos levará à viabilização?
Acho que ele tem feito bem no essencial. Mas também disse que ele às segundas, terças e quartas pensa uma coisa e às quintas, sextas e sábados dá-lhe para o outro lado. É binário, politicamente falando.
Resta saber em que dia é que Pedro Nuno Santos estará quando decidir se vai viabilizar ou não o orçamento.
Espero que isto não continue a ir de dias para um lado e dias para o outro. Acho que tenderá a ser progressivamente mais clara e mais consolidada a posição de cada um que está em jogo. O peso não é só do PS, é um bocadinho dos stakeholders da sociedade civil, na sua maioria. Se calhar a CGTP não faz acordos, mas até a UGT a vemos a fazer. E quais são os outros players políticos? Em primeiro lugar, o Presidente da República, que vai procurar que haja condições de governo para lá do OE. Tem que ser absolutamente igual ao comportamento que teve com António Costa, muitas vezes incompreendido. Depois do que foi a união de facto com o Governo, Marcelo vai ter de fazer a mesma coisa. Fazer a mesma coisa é lutar para que o orçamento passe. Não é um player indiferente para o país.
E se não for viabilizado? Um segundo OE?
Pode ser. Ou pode ser por duodécimos.
Mas não a dissolução?
Estar a falar das alternativas é disparatado. É puxar por elas. É ou não responsabilidade do Parlamento a viabilização do próximo orçamento? É evidente que é. O país espera, e será mais evidente até Outubro, que o orçamento seja aprovado e não que haja eleições.
O PS vai ser pressionado?
Se o PS não ler aquilo que o país quer dizer e aquilo que os stakeholders políticos e sociais querem dizer… Não é uma questão de ser pressionado. É uma questão de construir a sua decisão olhando àqueles que são os factores relevantes em si.
A dissolução da Assembleia da República é uma ferramenta que tem sido usada pelo Presidente da República com prudência ou exagero?
Respondo-lhe para a frente, para não olhar para trás. Marcelo Rebelo de Sousa quer tudo menos outra dissolução até ao fim do mandato. A única dissolução que acho pode ser analisada é esta última. Mas esta última aconteceu porque António Costa se quis ir embora. Pode-se fazer as pinturas e as histórias que se quiser. Foi Costa que se demitiu. Marcelo Rebelo de Sousa, em cima disso, o que é que fazia? Dar posse a um Governo com Mário Centeno? Estamos a brincar?
Acho que tem corrido bem [ao novo Governo], com protagonistas novos. Parece que voltámos a acertar um bocadinho nas décadas certas para lideranças de governo. Olho a António Leitão Amaro, olho ao ministro dos Assuntos Parlamentares e a mais alguns. Cometem erros, são impreparados em algumas coisas, são rookies noutras, mas estão a andar. E Luís Montenegro não tem sido rookie em nada.