O Manual de Budapeste: um plano de Orbán para os populistas da Europa e a América de Trump

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A importância de 2024, ano repleto de eleições, tem sido acentuada por uma vaga de direita populista. Na Europa, o apoio crescente aos partidos extremistas foi confirmado pelas recentes eleições europeias. Em França, os resultados levaram Emmanuel Macron a dissolver a Assembleia Nacional e a convocar eleições antecipadas, o que poderá dar início a uma mudança radical na orientação política do país e na sua relação com a UE.

Na Áustria, o Partido da Liberdade (FPÖ) é o favorito para assumir o poder nas eleições nacionais do outono. A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, é agora amplamente considerada uma peça-chave no próximo Parlamento Europeu, na sequência da ascensão imparável do seu partido, Irmãos de Itália. Na Alemanha, o crescimento eleitoral da Alternativa para a Alemanha (AfD) está a destruir a autoridade da coligação governamental, liderada pelo SPD. E tudo isto precede o possível regresso antecipado de Donald Trump, que está, neste momento, em empate técnico com Joe Biden, nos Estados Unidos.

Uma coisa é o sucesso eleitoral destes partidos, outra é a sua manutenção no poder. No entanto, na Hungria, sob a liderança de Viktor Orbán, os populistas de hoje têm um caso de estudo vivo de como consolidar as conquistas em influência duradoura.

Já há 14 anos consecutivos que Orbán é o primeiro-ministro da Hungria, com maioria constitucional. Este facto deu-lhe uma influência extraordinária para remodelar o país em função da sua visão pessoal – e o seu domínio no topo do sistema político revela muito sobre como as instituições democráticas podem tornar-se vulneráveis às estratégias populistas.

Quando falamos de Orbán, devemos começar por identificar as duas características essenciais que os populistas modernos devem ter para serem bem-sucedidos – trata-se do apelo carismático e da capacidade de se dirigirem às pessoas com mensagens simples e convincentes sobre o orgulho nacional, a prosperidade e a sua capacidade de defesa contra ameaças externas. E, mais discretamente, a sua experiência na construção de infra-estruturas políticas, que permite ao Governo húngaro assumir o controlo dos recursos políticos, jurídicos e de comunicação do seu país.

Poucos dos populistas atuais apresentam estas duas características. Jarosław Kaczyński, do partido Lei e Justiça (PiS), da Polónia, conseguiu dominar as infra-estruturas estatais (2015-2023), mas acabou por não ter o carisma necessário para manter o cargo.

Líderes como Trump apresentam esta qualidade, mas têm dificuldades com a organização e a construção de sistemas. Reconhecendo este facto, a equipa do antigo presidente dos EUA lançou o programa Agenda 2025 e fez contratações estratégicas em preparação para uma administração mais eficaz no possível regresso. A influência para este trabalho parece vir da Hungria. Quase diariamente, apoiantes e aliados mediáticos da direita republicana norte-americana elogiam Orbán. O senador J. D. Vance, que é amplamente visto como um possível companheiro de campanha do ex-Presidente, declarou recentemente que os EUA “poderiam aprender muito” com a Hungria. Já o próprio Trump proclamou: “Não há ninguém que seja melhor, mais inteligente ou um melhor líder do que Viktor Orbán. Ele é fantástico.”

Este elogio exemplifica o apelo crescente daquilo a que podemos chamar o “Manual de Budapeste”, com o seu roteiro completo que mostra a outros populistas de direita como manter o poder. É um manual que ensina como manipular o sistema eleitoral e os distritos para favorecer o partido no poder, subordinar os serviços de informação ao controlo político, alinhar o Ministério Público com a vontade política, minar a independência judicial, esvaziar o Tribunal Constitucional e enchê-lo de membros leais ao partido, bem como assumir o controlo dos meios de comunicação social através de um ministério da propaganda. Estas medidas, tomadas em conjunto, podem produzir um poder quase ilimitado e ajudar qualquer aspirante a autocrata a manter a sua influência a longo prazo, enquanto as instituições democráticas perdem gradualmente a sua independência.

O sucesso de Orbán deve-se, em grande parte, à sua capacidade de evitar medidas impopulares e, ao mesmo tempo, aplicar um novo enquadramento que transcende os constrangimentos tradicionais entre a esquerda e a direita. O resultado é uma infra-estrutura política, composta por uma teia de ligações pessoais, que desmantela a independência das instituições do Estado e dos organismos reguladores. Atualmente, na Hungria, todas as instituições importantes são dirigidas por uma pessoa escolhida a dedo por Orbán. A “fábrica do poder”, como lhe chamam os analistas, funciona como uma máquina bem oleada: Péter Polt, aliado do primeiro-ministro e presidente do Ministério Público húngaro, foi acusado de não julgar os casos que envolviam o círculo íntimo de Orbán. Antal Rogán, conhecido como o ministro da propaganda de Orbán, passou a controlar os serviços de informação civis do país. “Agora consigo ver praticamente tudo o que quiser”, disse Rogán numa rara entrevista.

Transformar o poder político em poder económico é um passo crucial, pois vai para além da corrupção comum e visa reestruturar o tecido social. A criação de uma nova elite económica é evidenciada pelo caso de Lőrinc Mészáros – um amigo de infância de Orbán, que saiu de um meio humilde para se tornar o homem mais rico do país e um facilitador do financiamento russo para populistas aliados, entre os quais Marine Le Pen – e o próprio genro do primeiro-ministro, István Tiborcz. Ambos enriqueceram, alegadamente, após terem obtido acesso a contratos lucrativos do Estado, apoiados pela UE.

Retoricamente, o objetivo é criar um estado de batalha perpétuo, identificando constantemente inimigos externos e internos e permitindo que os líderes se apresentem como “protetores heroicos” do povo. O ato de rotular constantemente a oposição de “traidores” e “inimigos do povo” reforça a sua posição. Orbán afirma frequentemente que a Hungria está a travar uma luta existencial com Bruxelas e outras forças internacionais e utiliza as "consultas nacionais" para justificar a sua postura. Estas “consultas”, que dão a ilusão de uma inclusão democrática, contêm invariavelmente perguntas importantes e transferem a culpa dos fracassos do Governo para figuras como Ursula von der Leyen e George Soros, sendo este último um alvo frequente de campanhas de difamação apoiadas pelo Estado. Não há dúvida de que os elementos desta retórica são bem conhecidos dos populistas, mas uma “fábrica do poder” plenamente desenvolvida ainda não passa de uma aspiração para a maioria.

Um possível ponto de inflexão para a direita populista na Europa, bem como o regresso iminente de Donald Trump nos EUA, torna particularmente relevante uma análise do “Manual de Budapeste”. A subversão da democracia húngara por Orbán em pouco mais de uma década mostra a rapidez com que o domínio estatal de tantas infra-estruturas pode ser conseguido. Além disso, tal subversão levanta a perspetiva do aparecimento de uma nova e mais vasta internacional iliberal, inspirada na política da Hungria.

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