Plantas armazenam mais carbono mas por menos tempo, revela estudo
Isótopo produzido nos ensaios nucleares na Guerra Fria serviu agora para analisar com mais detalhe o papel das plantas no ciclo do carbono. Resultado força a repensar estratégia climática, diz autora.
Os ensaios nucleares feitos até ao início da década de 1960 deixaram na atmosfera uma quantidade anormal do isótopo radioactivo carbono 14 (C14). Seis décadas depois, uma equipa de investigadores usou este pico de C14 para fazer uma nova contabilização da quantidade de dióxido de carbono (CO2) que as plantas absorvem anualmente, a nível planetário. Os resultados mostraram que as plantas absorvem mais CO2 do que se pensava, mas mantêm-no armazenado durante menos tempo, o que tem implicações na luta contra as alterações climáticas, segundo um artigo publicado esta quinta-feira na revista Science.
“As plantas são mais produtivas do que pensávamos”, explica ao PÚBLICO a investigadora Heather Graven, primeira autora do estudo, do Departamento de Física do Imperial College de Londres, no Reino Unido. “Também significa que a remoção do CO2 do ar para ser armazenado nos ecossistemas, algo que ocorre naturalmente mas que também faz parte da aposta para atingir as zero emissões líquidas, não vai conseguir manter o carbono armazenado durante muito tempo.”
O CO2 continuamente produzido na queima de combustíveis fósseis, que está na origem do aquecimento global, ao entrar na atmosfera volta a ficar à mercê do ciclo do carbono. Parte desse CO2 é absorvida pelos oceanos, acidificando-os nesse processo. Outra parte alimenta as plantas, entrando nos sistemas vivos. Saindo da atmosfera, aquele CO2 não contribui para o efeito de estufa. Por isso, a contabilização deste CO2 que entra nos oceanos e na biosfera é importante para prever a progressão das alterações climáticas e entra na equação dos modelos climáticos.
Os cientistas estimam que, desde o início do século XX, as plantas tenham aumentado em 30% a quantidade de carbono que absorvem da atmosfera. Ainda não há nenhuma conclusão definitiva sobre a origem deste aumento. “Factores como a fertilização vinda de uma maior quantidade de CO2 no ar, ou de azoto adicionado, mudanças no uso dos solos ou as alterações climáticas são todos possíveis contribuidores para este aumento”, aponta a investigadora.
Ensaios nucleares interrompidos
De qualquer modo, as estimativas passadas de carbono absorvido pelas plantas, e usado na produção de novos tecidos vegetais, variam entre 43 e 76 mil milhões de toneladas de carbono por ano. Esta grande variação mostra como é difícil contabilizar o fenómeno. “É muito difícil medir todas as componentes da produtividade primária e não há muitos locais com medições abrangentes, principalmente nos trópicos”, lê-se no artigo.
A equipa usou o C14 para contornar aquele problema. Os testes nucleares que se iniciaram em 1945 e escalaram nas décadas seguintes produziram uma grande quantidade de C14 atmosférico, muito acima do que existe naturalmente. Mas, em 1963, o Tratado de Interdição Parcial de Ensaios Nucleares, assinado entre os Estados Unidos, a União Soviética e o Reino Unido – três das quatro potências nucleares da altura –, proibiu todos os ensaios nucleares que ocorressem na atmosfera, no mar e na fronteira com o espaço. Para aquelas nações, a única opção passou a ser a realização de ensaios nucleares subterrâneos.
Essa mudança reduziu radicalmente o C14 produzido de novo na atmosfera. Entre 1963 e 1967, a concentração de C14 atmosférico foi decrescendo. Foi com os dados daqueles cinco anos que a equipa trabalhou, em que tiveram em conta as medições do C14 que se infiltrou nos oceanos. “Fomos capazes de quantificar o radiocarbono que entrou na biosfera, e em particular para as plantas, e depois quantificar o rácio de captação [total] de carbono necessário para isso”, explicou Heather Graven.
Segundo as novas contas, é captado um total de 80 mil milhões de toneladas de carbono por ano pela biosfera vegetal, um valor acima do máximo que antes tinha sido medido. O que falhou nos antigos modelos? “Os modelos estão a subestimar a produtividade das plantas, comparando com os nossos resultados. Não sabemos exactamente porquê, mas é provável que isso esteja relacionado com a forma como simulam a fotossíntese e a limitação dos nutrientes”, responde a investigadora.
Aparentemente, esta parece ser uma boa notícia na luta contra as alterações climáticas. Se existe mais CO2 a entrar na biosfera, haverá menos CO2 a acumular-se na atmosfera e a tornar o planeta mais quente. Mas há um problema. A equipa usou dados de satélite para contabilizar a quantidade de carbono que existe na vegetação a nível planetário. O resultado mostrou que existia menos carbono do que o que seria suposto existir com a acumulação na vegetação de 80 mil milhões de toneladas a cada ano que passa.
“Para se obter a quantidade certa de carbono na vegetação, tendo em conta que há mais carbono a entrar, então também tem de haver mais carbono a sair”, admite a especialista. “Se há uma maior quantidade de carbono a ser libertada, quer dizer que o carbono não pode ficar tanto tempo na vegetação.”
A conclusão é que há uma reciclagem mais rápida do que o esperado do carbono a nível das plantas. “O carbono é mais vulnerável do que se pensava”, diz. Para a cientista, estes resultados são importantes para se construírem modelos mais exactos, que prevejam a evolução do CO2 na atmosfera no contexto da crise climática.
No entanto, independentemente da qualidade dos modelos e das previsões futuras, o novo artigo torna mais importante uma resposta que ataque o problema pela raiz, defende a investigadora: “Precisamos de nos focar em reduzir as emissões vindas dos combustíveis fósseis para limitar as alterações climáticas.”