Porque é que detestámos ter geologia na escola?

Uma disciplina que vive perpetuamente na expectativa da grande revelação, do momento em que se percebe porque é que se está a falar daquilo — que nunca chega.

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Megafone P3: Porque é que detestámos ter geologia na escola? Nelson Garrido
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Em fevereiro deste ano a Geological Society of London publicou um estudo sobre as perceções que as pessoas teriam sobre a geologia e os geólogos. As respostas, andaram muito à roda do “é o estudo das pedras”. Aqui em Portugal, se tivesse de adivinhar, diria que não estamos muito longe disso, se bem que usaríamos a palavra “calhaus” para expressar o nosso desgosto.

É com base neste tipo de perceções que se explica a baixa adesão por parte dos alunos a cursos nestes domínios do conhecimento, onde não vêem oportunidades, emprego, futuro e impacto na sociedade, ainda que não seja essa a realidade.

Mencionei num texto anterior que há estigmas por derrubar nesta indústria e área do conhecimento, e um dos grandes responsáveis destes estigmas chama-se disciplina de geologia, que no geral é o patinho feio no sistema de ensino científico na escolaridade obrigatória. Esta disciplina deveria existir também para comunicar e desmistificar os estereótipos mais básicos, mostrar o valor que tem para a sociedade. Uma disciplina que muitas vezes se perde na vontade de mostrar tudo o que engloba, mas que acaba a não conseguir vender nada do que é.

É fácil aliciar qualquer pessoa para os mundos da biologia. Além de ser natural querermos perceber como funcionamos, temos um mundo vivo e colorido que mexe e responde, cuja escala de alteração acompanha a que percecionamos, que se vê em ação ao olho nu ou à distância de um microscópio. A vivacidade destes meios não está encerrada em minas remotas ou grutas profundas. A formação de montanhas, oceanos e a mobilização de continentes é algo que é fascinante saber que acontece, porém não convido ninguém a experienciar a desilusão que é ver isto a acontecer em tempo real.

Outro grande problema que a geologia sofre é que, no fundo, não foi feita para o sistema de ensino que temos. Podemos aprender bem vendo os números e gráficos da matemática e disso tirar o interesse da sua complexidade, podemos fazer experiências em laboratório na química, física e biologia e fascinar-nos a experimentar os conceitos que se dão, mas a realidade é que a geologia não foi feita para caber numa sala de aula e num horário como os que temos.

Além de ser proibitivo o sistema de ensino português fornecer amostras realmente interessantes para todas as escolas, é preciso tempo para as analisar de modo a que o pico da geologia não seja uma aula a olhar para calhaus sem particular objetivo e ver a efervescência de ácido sulfúrico num calcário. É uma disciplina que vinga nas saídas de campo e visualização dos fenómenos para os contextualizar e assimilar, coisa entendo ser difícil quando há tantas disciplinas e programas a serem cumpridos e exames no calendário.

Porém, o grande perpetuador dos estigmas e desinteresse na área, na realidade, são os conteúdos programáticos e a forma como se aborda a geologia, que durante toda a escolaridade pouco descola de um conjunto de ideias avulsas, que nunca ganham corpo em algo aplicado nas necessidades dos dias de hoje. Que vive perpetuamente na expectativa da grande revelação, do momento em que se percebe porque é que se está a falar daquilo — que nunca chega. Normalmente têm de ser os professores (que gostam do assunto) a tentar realmente mostrar o lado interessante desta área de conhecimento.

Procure lembrar-se do que deu neste domínio. Irá encontrar as rochas, os minerais, a distinção entre minério e ganga, os vulcões, as eras geológicas talvez. Além de uma grande viagem no tempo, é provável que não encontre uma boa explicação para que é que tudo isto serve para além de meras curiosidades científicas. Apesar de terem uma importância fundamental em vários domínios da sociedade e da indústria, o sistema de ensino prefere introduzir cada vez mais conceitos sem muitas vezes contextualizar a sua aplicação em atividades que não sejam a descoberta científica.

As geociências são idealmente bastante práticas e aplicadas no nosso mundo, ainda que muitas vezes não seja isso que transparece no meio das memórias de aulas secantes a debitar sobre de calhaus e fenómenos milenares. Compete-nos exigir melhorias na forma como estes conceitos são explicados, a começar pelas salas de aula, com maior ênfase na explicação das aplicações e valor que têm para a sociedade. A geologia não está condenada a ser um patinho feio, haja vontade para mudar isso.

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