Centeno avisa bancos: “Devem poupar, porque estes resultados são transitórios”

Banca alcançou lucros históricos em 2023, à boleia da subida das taxas de juro, mas o governador do BdP avisa que estes resultados “não vão permanecer”.

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Mário Centeno está hoje no Parlamento RODRIGO ANTUNES / LUSA
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Depois dos lucros recorde alcançados no ano passado, os bancos devem começar a preparar-se para uma inversão deste cenário e "poupar" para conseguirem fazer face ao novo ciclo. O aviso é deixado pelo governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, que antecipa ainda que o banco central deverá continuar a ser afectado pelo contexto de taxas de juro elevadas e a apresentar prejuízos ao longo dos próximos dois anos.

O governador do BdP falava, nesta quarta-feira, na Assembleia da República, em audição na comissão parlamentar de orçamento, finanças e administração pública. "Os bancos têm de ter almofadas, porque estes resultados são transitórios, não vão permanecer. Os juros vão baixar e a situação dos bancos vai alterar-se. Por isso, eles devem todos poupar para, depois, poderem fazer face ao novo contexto e não voltarmos a viver momentos de aflição como aqueles que vivemos há muito pouco tempo", afirmou.

Em 2023, de acordo com os dados do BdP, o sistema bancário português alcançou, no seu conjunto, um resultado líquido de 5,6 mil milhões de euros, o valor mais elevado de que há registo. Os lucros recorde foram conseguidos num contexto de subida das taxas de juro. Foi esta política monetária, seguida pelo Banco Central Europeu (BCE) para dar resposta à crise inflacionista, que acabou por levar a uma subida significativa da margem financeira dos bancos (indicador que reflecte a diferença entre os juros que os bancos recebem pelo crédito que concedem e aqueles que pagam nos depósitos).

Mário Centeno ressalvou, ainda assim, que os lucros agora registados pela banca se seguem a um período de prejuízos acentuados. "Se somarmos os resultados dos bancos desde a crise financeira até 2023, a média desses resultados para todo o sistema bancário nacional é de 120 milhões de euros positivos. A banca portuguesa teve um período muito difícil, mas conseguimos, num contexto muito difícil, levar os bancos portugueses ao topo do desempenho dos bancos na Europa", salientou.

BdP deverá repetir prejuízos

Em sentido contrário ao da banca comercial, os bancos centrais sofrem um impacto negativo pelo contexto de taxas de juro elevadas e esse peso deverá continuar a sentir-se ao longo dos próximos dois anos. Só a partir de 2026, antecipa Mário Centeno, é que o BdP deverá voltar aos resultados positivos, à semelhança do que se espera que aconteça com os restantes bancos centrais na Europa.

Em 2023, o BdP reportou um resultado negativo de 1054 milhões de euros, interrompendo um ciclo de lucros significativos que se registavam há mais de uma década. Os lucros acumulados permitiram, contudo, que o banco central constituísse provisões que, agora, serão utilizadas para compensar os prejuízos. Foi essa, precisamente, a estratégia seguida no ano passado: depois da utilização de provisões, o resultado líquido do BdP ficou nulo em 2023.

A justificar os prejuízos antes de provisões está a subida das taxas, decidida pelos próprios bancos centrais, um cenário que faz com que os juros a pagar por entidades como o BdP pelos depósitos feitos por bancos e Estados disparem. Numa altura em que se espera que o BCE venha a baixar as taxas de juro, mas de forma gradual, o contexto de juros elevados deverá manter-se por algum tempo, penalizando as contas dos bancos centrais.

"Se olharmos para a política monetária, vemos que este ciclo de resultados negativos irá prolongar-se, pelo menos, por mais dois anos, havendo a expectativa, por parte dos bancos centrais, de que em 2026 se retome uma situação mais regular", antecipou Centeno, ressalvando que "os resultados do BdP e do Eurosistema não afectam a sua capacidade de condução de política monetária".

Em contrapartida, sublinhou, o BdP "tem almofadas que lhe permitem responder a este desafio". Assim, "aquilo que se espera que o banco faça é que recorra às provisões para acomodar, em termos de resultados líquidos, aquele que for o resultado antes de provisões e impostos".

Excedente de 1% a 2% "é o único" que permite sustentabilidade

Ainda durante a audição, Mário Centeno destacou a posição de Portugal quanto à sustentabilidade das contas públicas, quando comparado com os restantes países europeus, mas apelou a um reajustamento daquele que considera que deve ser o "referencial" do saldo orçamental. O nível ideal, defende o governador do BdP, deve ser um excedente orçamental de 1% a 2%, para assegurar a sustentabilidade da Segurança Social.

"A Segurança Social tem um excedente que, no último ano, superou os 2%, graças ao milhão de empregos criados e ao crescimento de 85% dos salários. Mas o excedente da Segurança Social são pensões no futuro", começou por explicar. "O nosso referencial para avaliar a política orçamental não deveria ser um saldo de zero. Devíamos alterar o eixo e pô-lo, pelo menos, entre 1% e 2% de excedente orçamental, porque esse é o único valor que permite garantir que a despesa corrente não esteja a ser financiada com os excedentes da Segurança Social. Se financiarmos a despesa corrente com excedentes da Segurança Social, daqui a uns anos, esse dinheiro vai faltar para pagar pensões", continuou.

Sobre o rumo das contas públicas nos próximos anos, salientou ainda, o país deverá manter-se numa trajectória de excedente orçamental. "Em 2025, Portugal tem, provavelmente, uma das maiores margens orçamentais disponíveis, de acordo com a regra da despesa, porque ela é calculada em função do PIB potencial, que, em 2025, vai crescer mais do que em qualquer ano anterior. Essa margem deve ser respeitada e utilizada em prol dos objectivos de política orçamental que o país entender. Mas temos de reconhecer a existência dessa margem e devemos respeitá-la", para que o país não volte a entrar num procedimento por défice excessivo. "Não há nenhuma razão, do meu ponto de vista analítico e da economia, para que isso aconteça, e é uma responsabilidade colectiva que assim se mantenha", concluiu.

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