O núcleo interno da Terra está mesmo a abrandar há mais de uma década

A conclusão de um novo estudo não é nova, mas confirma que o movimento do núcleo interno da Terra tem perdido velocidade. Que implicações isso tem à superfície do planeta? Ainda não fazemos ideia.

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A camada mais interna do planeta Terra tem desacelerado na última década NASA
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No mais profundo do nosso planeta – o núcleo interno da Terra –, a última década tem proporcionado mudanças de velocidade dignas de ocupar parte dos geólogos em todo o mundo: o núcleo interno da Terra tem abrandado desde 2008. A conclusão dos cientistas da Universidade da Califórnia do Sul (Estados Unidos) confirma o que já tem vindo a ser publicado por outras equipas de todo o mundo, mostrando uma diferença clara face às décadas anteriores.

A travagem desta bola no interior do planeta, composta sobretudo de ferro e tão quente como a superfície do Sol, não é um tema novo para a equipa de John Vidale e Wei Wang, da Universidade da Califórnia do Sul. Já em 2022 tinham publicado um trabalho em que defendiam que o núcleo interno da Terra poderia estar a rodar ao contrário da superfície da Terra – algo que acontecerá a cada sete décadas devido às oscilações nas velocidades de rotação da camada mais interna (o núcleo interno) e da mais externa (a crosta terrestre).

Embora o núcleo e todas as outras camadas da Terra girem na mesma direcção e com uma velocidade semelhante, continuam a existir ligeiras diferenças que, em estudos anteriores mostram que o núcleo é geralmente mais rápido no movimento do que o manto ou a crosta (a grande camada intermédia e externa da Terra, respectivamente). Mas agora, o estudo publicado na revista Nature vai mais além e mostra que, ao longo dos últimos 16 anos, o núcleo interno da Terra tem abrandado.

O que significa isto? A partir daqui, os investigadores apenas conseguem especular. Estas alterações, quase “microscópicas”, podem afectar a rotação do planeta ou mesmo encurtar a duração dos dias. Mas, por exemplo, no caso da duração dos dias a mudança seria nos milésimos de segundo, ou seja, um efeito indetectável para os humanos. “É muito difícil de notar, na ordem de um milésimo de segundo, quase perdido entre o barulho dos oceanos agitados e da atmosfera”, diz John Vidale, citado em comunicado.

O movimento do núcleo interno da Terra e os efeitos que isso tem à superfície do planeta têm sido alvo de estudo científico e de muito debate nas últimas décadas – e continuará a ser, em busca de respostas sobre o que está a acontecer, porquê e o que significará.

Sabemos, no entanto, que estas alterações singelas na rotação acontecem, uma vez que analisamos os sismos. É na variação das ondas sísmicas que atravessam o planeta que os cientistas conseguem deslindar a composição interna do núcleo e a sua velocidade de rotação. Aliás, foi assim que a dinamarquesa Inge Lehmann descobriu que a estrutura da Terra continua um núcleo interno sólido, nos idos de 1936.

Na investigação da Universidade da Califórnia do Sul foram analisados dados de 121 sismos entre 1991 e 2023, juntamente com outros dados decorrentes de testes nucleares dos Estados Unidos, França e União Soviética nos anos 1970 – para comparar com a composição do núcleo interno da Terra há 50 anos.

“Quando vi pela primeira vez os sismogramas que sugeriam esta mudança, fiquei perplexo”, conta John Vidale, em comunicado. Mais de duas dezenas de observações com o mesmo padrão deram razão aos primeiros resultados. “O núcleo interno desacelerou pela primeira vez em muitas décadas. Outros cientistas defenderam recentemente modelos semelhantes e diferentes, mas o nosso estudo dá a solução mais convincente”, defende.

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