Cheias, incêndios e ondas de calor não fazem partidos falar de alterações climáticas
O discurso dos partidos políticos europeus não reflecte o aquecimento global como motor de grandes desastres naturais ocorridos na última década, diz estudo em que participa português.
Até que ponto os partidos políticos europeus alteram o seu discurso depois de acontecerem fenómenos meteorológicos extremos, como tempestades, cheias, grandes incêndios florestais, para reconhecerem as alterações climáticas e as suas consequências? A resposta é simples: não mudam. Só os verdes falam um bocadinho no assunto, mas apenas na semana em que acontece o desastre natural. Depois calam-se. “Não era o que estávamos à espera”, disse António Valentim, um dos autores de um estudo publicado na revista Nature Climate Change sobre este tema.
“Não há diferenças. Olhamos para diferentes famílias políticas em que incluímos os verdes, os democratas-cristãos, os sociais-democratas, ou seja, seguindo as tradições da ciência política. E a falta de efeitos é transversal a tudo”, explicou ao Azul António Valentim, cientista político português na Universidade de Yale (Connecticut), nos Estados Unidos.
No discurso público, diz António Valentim, “há muitas vezes a suposição de que um dia as consequências das alterações climáticas vão ser tão claras que as pessoas e os políticos serão obrigados a agir e a mudar alguma coisa”. No estudo agora publicado, ele e os seus colegas da Universidade Humboldt, em Berlim, e Witten/Herdecke, Witten (Renânia do Norte-Vestfália), ambas na Alemanha, quiseram verificar se essa ideia se confirmava, pelo menos no que toca ao discurso político.
“Mudar o discurso é muito mais fácil e barato do que mudar políticas. Por isso esperávamos que se alterasse muito mais facilmente do que políticas efectivamente postas em prática”, salientou. “Mas não é isso que acontece.”
A equipa analisou um período de dez anos, entre 2010 e 2020, concentrando-se em episódios meteorológicos extremos – como cheias, tempestades, incêndios florestais ou ondas de calor, que podem ser relacionados com os efeitos das alterações climáticas – em nove países europeus: Alemanha, Áustria, Dinamarca, Espanha, Irlanda, Países Baixos, Polónia, Reino Unido e Suécia. Foram à procura de comunicados de imprensa emitidos pelos partidos desses países, em busca de sinais de alterações do seu discurso ambiental ou relativo às alterações climáticas.
A base de dados que usaram incluía mais de 260 mil comunicados de imprensa de 68 partidos naqueles países, durante estes dez anos. “Usámos técnicas de machine learning [uma forma de inteligência artificial] para ver os tópicos de que falavam, e depois combinámos isso com técnicas de econometria. E não há diferenças”, resumiu António Valentim.
“Ou seja, no seguimento destes eventos, os partidos políticos daqueles nove países europeus não falam mais sobre questões ambientais ou alterações climáticas, com a excepção de partidos verdes, que o fazem apenas durante a semana do fenómeno meteorológico extremo”, explicou o investigador.
E mesmo os verdes são tímidos: há um aumento de 6,1% na atenção prestada aos temas ambientais nos seus comunicados de imprensa, mas apenas durante a semana da catástrofe. Depois voltam ao nível normal. Partidos de esquerda ou direita continuam imperturbáveis, com o seu discurso habitual, sem apostarem no ambiente, quer estejam no governo ou na oposição.
Pergunta de um milhão de dólares
Mas porque é que há esta inércia dos partidos políticos europeus? “Pois, essa é a pergunta de um milhão de dólares”, afirma António Valentim. Mas há algumas pistas em trabalhos de investigação anteriores, feitos por outras equipas, que podem ajudar a explicar.
“Sabemos, por trabalhos feitos por outros investigadores, que os políticos, tanto na Europa como nos Estados Unidos, tendem a subestimar o apoio que políticas climáticas e ambientais têm entre a opinião pública. E também sabemos que muitas vezes os políticos assumem que há outros tópicos que podem trazer mais benefícios eleitorais do que o clima, como a economia”, adianta António Valentim.
Conclusão: embora haja provas de que muitos eleitores votam, de facto, tendo em consideração a política ambiental e climática defendida pelos candidatos de cada partido, sobretudo na Europa Central e do Norte, salienta, “temos indícios de que este tema pode não ser visto como tendo potencial para ganhar votos”. Daí, a auto-exclusão dos partidos deste debate.
“Isto pode ser uma explicação, subestimar o quanto a opinião pública se preocupa com as questões ambientais e do clima, e também a forma como este interesse pode influenciar a decisão de voto”, sublinha António Valentim.
Polarização
O resultado disto é o aprofundar da polarização. “Já estamos a assistir, em relação a algumas políticas climáticas, em diferentes países, a uma certa polarização. Nestas circunstâncias, poderá haver ganhos políticos e eleitorais por se falar do tema, quer apoiando políticas climáticas, quer opondo-se a elas”, sublinha.
Já se vê isto a acontecer em relação a algumas políticas climáticas em países como Alemanha, França e Espanha, nota António Valentim, que estuda porque é que os eleitores decidem mudar o seu comportamento no que toca às alterações climáticas e também tenta perceber quando é que os políticos o fazem.
Para já, o que este estudo traz é uma clarificação. “É uma ideia muito presente no discurso público, e, às vezes, até académico, que as alterações climáticas e as suas consequências acabarão por levar à criação de políticas públicas para as tentar mitigar ou resolver. Mas isso não vai acontecer assim só por si", avisa António Valentim. “É importante que tanto os activistas como os políticos e investigadores percebam isto.”
No fundo, a política ambiental e climática não é mais do que política, sublinha o investigador: “Muitas vezes achamos que há alguma coisa de especial na política das alterações climáticas, quando elas são apenas mais uma área, que funciona através dos mesmos incentivos políticos e eleitorais.”