Na terra e no mar: intensificam-se na Galiza os protestos contra a empresa portuguesa Altri

A contestação à empresa portuguesa que se dedica à produção de pasta de celulose (e se pretende instalar na Galiza) registou um novo ímpeto com a entrada em cena de um protesto da Greenpeace.

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Imagem do protesto na semana passada, com centenas de embarcações GREENPEACE
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Na tarde de 12 de Junho, o navio quebra-gelo Arctic Sunrise da Greenpeace entrou no estuário da ria Arousa rodeado por quase 300 barcos de pesca ostentando uma enorme tarja a bombordo que dizia: “Defendam o mar”, e outra a estibordo onde estava inscrita a frase “Altri Non”. A acção foi organizada pelo grupo ambientalista Greenpeace e pela Plataforma em Defesa da Ria de Arousa mobilizou centenas de pescadores artesanais, mariscadores e produtores de mexilhão. Em causa está a intenção da empresa portuguesa Altri de construir uma fábrica de pasta de celulose na Galiza.

Manoel Santos, zoólogo e coordenador da Greenpeace na Galiza, relatou ao PÚBLICO os acontecimentos: o navio entrou no porto de Vilagarcía de Arousa, ao som das sirenes de “cerca de 300 embarcações” que rodearam o Arctic Sunrise. E porquê o estuário da ria de Arousa? É onde se localizam dois dos melhores bancos de moluscos e ecossistemas marinhos costeiros da Europa. Na acção de protesto foi denunciada a deposição de “resíduos urbanos, industriais, fitossanitários provenientes da agricultura e antigas lagoas mineiras que continuam a poluir, bem como os plásticos”, enumera Manoel Santos, vincando ainda as consequências bem visíveis das alterações climáticas.

A possibilidade de instalação de uma fábrica de pasta de celulose na cabeceira do rio que desagua no estuário de Arousa e nas suas margens de marisco faz com que os pescadores temam que “fique ainda mais poluído, que a temperatura da água varie e que o seu caudal diminua”, salienta o coordenador do Greenpeace.

A Altri solicitou licença para captar 46 milhões de litros de água por dia da albufeira de Portodemouros, o que equivale ao consumo de toda a província de Lugo, a terceira da Galiza em número de habitantes (324.267 em 2023). Também solicitou licença para descarregar 30 milhões de litros de água por dia, após a sua utilização no processo de produção de pasta de celulose. Mas isto gera “muitos produtos químicos e a temperatura da água sobe para 27 graus Celsius, alerta o dirigente da Greenpeace. Essas licenças seriam por 75 anos, mas a empresa “não apresentou estudo sobre a possível e esperada diminuição da disponibilidade do recurso hídrico” com projecções dos efeitos que as mudanças climáticas poderão ter nesse período, diz ainda.

O sector das pescas “emprega cerca de 12.000 pessoas na ria de Arousa, mas os seus efeitos indirectos no emprego são muito maiores”, enfatiza Manoel Santos. E descreve o quadro actual da actividade pesqueira: “A ria tem mais de 44% das licenças de extracção de marisco a pé concedidas na Galiza, onde cerca de 1700 pessoas se dedicam regularmente a esta actividade e muitos outros dedicam-se à apanha flutuante de marisco, de mexilhão e à pesca artesanal com pequenas artes”, relata.

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Perante este quadro de dificuldades, tanto a Greenpeace como a Plataforma em Defesa da Ria de Arousa exigem à Junta da Galiza decisões concretas para os problemas do estuário da ria, assumindo que “a Altri não é solução” para os problemas que afectam os bancos pesqueiros, afirmaram os manifestantes durante a concentração no estuário de Arousa.

O recrudescimento das acções de protesto levaram o CEO da Altri, José Soares de Pina, a deslocar-se à Galiza para prestar os esclarecimentos que a empresa entendeu necessários, dadas as circunstâncias.

Numa conferência de imprensa realizada no dia 3 de Junho, e citada no diário Economia Digital que se publica na Galiza, Soares Pina garantia que a fábrica da Altri “não irá modificar o ambiente natural em Portodemouros e Palas”, para onde está projectada a construção do empreendimento, “pelo que também não o fará no estuário de Arousa”.

Reagindo à contestação que a instalação da fábrica tem provocado nas comunidades abrangidas pelo empreendimento, o CEO da Altri admite que “estes projectos geram opiniões diversas”. Instado a comentar o elevado número de denúncias que o projecto já recebeu (mais de 23 mil), Soares Pina considera que muitos dos argumentos que têm sido levantados na imprensa não são verdadeiros”, dizendo haver “muita desinformação”. Mas posto perante a invulgar dimensão dos protestos deixou claro: “Não fazemos investimentos em comunidades que não os querem.”

A nova fábrica da Altri utilizará cerca de 1200 milhões de toneladas de madeira de eucalipto, e terá capacidade final de produção anual de 400 mil toneladas de pasta de celulose e 200 mil toneladas de lyocell, além de outros subprodutos como biomassa. O projecto prevê que as suas emissões para a atmosfera serão constituídas por dióxido de carbono, óxidos de carbono, óxidos de azoto, monóxido de carbono e partículas, pelo que será instalada uma chaminé de 75 metros de altura como única fonte de emissões.

Mais de 20.000 pessoas estiveram presentes na primeira manifestação contra o projecto em Palas de Rei (Lugo), no dia 26 de Maio. A manifestação marítima de 12 de Junho foi descrita por toda a imprensa como histórica.