Grande Muralha Verde de África não deve ficar completa até 2030

Projecto pretende restaurar zonas degradadas no Sahel e deserto do Sara, mas falta financiamento. Nesta segunda-feira assinala-se o Dia Mundial do Combate à Seca e à Desertificação.

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Uma rapariga carrega água numa horta em Tolou Keur, em Walalde, no Senegal, na área da Grande Muralha Verde Zohra Bensemra/REUTERS
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A Grande Muralha Verde de África, um projecto para restaurar paisagens degradadas e impulsionar as economias da franja do continente ocupada pelo Sahel e pelo deserto do Sara, tem pouco dinheiro e é pouco provável que atinja o objectivo de estar completa em 2030, afirmou o presidente da mais recente reunião da Convenção das Nações Unidas para o Combate da Desertificação, Alain-Richard Donwahi.

Lançado em 2007, o projecto de reintegração de 100 milhões de hectares de terra está apenas 30% concluído, disse Alain Richard Donwahi, presidente da cimeira de 2022, que tem acesso à análise da evolução do projecto, que visa restaurar o coberto vegetal de um corredor de 8000 km, que vai do Atlântico ao Mar Vermelho. Beneficia alguns dos países mais pobres do mundo, situados na orla do deserto do Sara, incluindo a Etiópia, o Mali e o Sudão.

"É até um eufemismo sublinhar que não estamos a caminho de cumprir o nosso objectivo comum de conclusão do projecto até 2030", disse Donwahi, numa conversa a propósito do Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca, que se assinala nesta segunda-feira, 17 de Junho.

Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da Convenção das Nações Unidas do Combate à Desertificação e à Seca, recordou em Bona, na Alemanha, onde se centram as comemorações, que cerca de 40% das terras estão degradadas em todo o mundo, o que afecta a saúde e a sobrevivência de perto de metade da humanidade. Mas há soluções, sublinhou: "O restauro de terras retira as pessoas da pobreza e aumenta a sua resiliência às alterações climáticas".

Donwahi está em Bona, precisamente para tentar obter um apoio renovado para a Grande Muralha Verde. "O projecto enfrenta desafios substanciais, principalmente no que diz respeito ao financiamento e à execução", disse Donwahi. Sem uma estratégia de monitorização centralizada, a coordenação do trabalho nos 11 países africanos envolvidos tem sido um grande desafio, explicou.

O movimento internacional Save Soil, numa declaração à Lusa a propósito do Dia Mundial do Combate à Seca e à Desertificação, frisa que a degradação dos solos é impulsionada por mudanças no uso das terras, convertendo pastagens em terras agrícolas. "As pastagens são muitas vezes pouco e mal compreendidas, e a falta de sensibilização do público e de dados fiáveis prejudica a gestão sustentável do seu imenso valor no abastecimento alimentar e na regulação do clima", diz a organização. "Práticas agrícolas regenerativas podem restaurar muitas paisagens", frisou Praveena Sridhar, secretária executiva do movimento.

Alguns dos países envolvidos no projecto da Grande Muralha Verde foram afectados por crises humanitárias nos últimos anos, agravadas por golpes militares, guerras ou movimentos islâmicos violentos.

Estima-se que sejam necessários, pelo menos, mais 33 mil milhões de dólares (30.800 milhões de euros) de financiamento para atingir a meta de 2030, de acordo com uma análise dos progressos realizados feita em 2020 pela Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, que tem feito alguns relatórios de execução do projecto.

Os doadores internacionais prometeram cerca de 19 mil milhões de dólares (17.700 milhões de euros) numa cimeira em 2021, mas, em Março do ano passado, apenas 2500 milhões de dólares tinham sido concretizados. O resto deveria ser pago até ao final de 2025, de acordo com a mais recente actualização do financiamento da Convenção da Desertificação.

Esses fundos prometidos estão também a ser distribuídos por diferentes projectos que podem ser dedicados ao desenvolvimento internacional, mas não necessariamente à Grande Muralha Verde, disse Donwahi.

A dificuldade em acompanhar o financiamento até à data tem sido um obstáculo fundamental, acrescentou, congratulando-se com o lançamento, já este mês, de um observatório para acompanhar o financiamento e os progressos.

Mesmo assim, não é claro onde é que o projecto irá buscar os milhares de milhões necessários para retomar o seu caminho. Donwahi afirmou que seria necessário mais investimento dos doadores internacionais, do sector privado e dos próprios países da Muralha Verde.

Donwahi registou alguns progressos, incluindo a criação de três milhões de postos de trabalho na recuperação de cerca de 30 milhões de hectares de terras degradadas, o que equivale aproximadamente à dimensão das Filipinas.

No entanto, com a escalada das alterações climáticas, a questão é cada vez mais um problema que o mundo inteiro tem de enfrentar: "Durante demasiado tempo, a desertificação e a seca foram consideradas problemas africanos", recordou Donwahi.