Turbulência nos aviões aumentou com alterações climáticas? Eis o que se sabe

Vários artigos científicos concluíram que a turbulência das três fontes que afectam os aviões está a aumentar devido às alterações climáticas. Porém, é possível prever e evitar os céus agitados.

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Taxa actual de turbulência grave é de apenas cerca de 1% em toda a atmosfera. Até ao final do século XXI, prevê que essa taxa aumente para 2% rbkomar/GettyImages
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Uma série de incidentes com turbulência grave, incluindo em voos de Londres para Singapura e de Doha para Dublin no mês passado, está a alimentar um debate aceso sobre se as alterações climáticas estão a aumentar o risco de voos turbulentos.

Vários estudos publicados em publicações científicas de renome sugerem que o aquecimento do planeta provoca mais turbulência. Mas os especialistas afirmam que isso não significa necessariamente que mais passageiros se vão deparar com ela. Isto deve-se ao facto de as companhias aéreas – com a ajuda dos meteorologistas estarem a melhorar a sua capacidade de antever e, em muitos casos, evitar céus agitados.

A ciência é complexa e, por vezes, mal compreendida como um proeminente cientista atmosférico descobriu no mês passado, quando a sua investigação foi aproveitada pelos cépticos do clima.

O Washington Post falou com alguns dos maiores especialistas em atmosfera do mundo para esclarecer a questão da turbulência e das alterações climáticas. Eis o que deve saber.

O que causa a turbulência?

Há três tipos de turbulência que afectam os aviões. Um deles resulta do facto de se voar perto ou através de uma tempestade – o que é conhecido como “turbulência perto de nuvens” ou “turbulência induzida por convecção”. As trovoadas são a principal fonte de turbulência nas regiões tropicais.

Um segundo tipo de turbulência ocorre ao sobrevoar cadeias montanhosas e é chamado “turbulência de onda de montanha”. Os cientistas dizem que estes remoinhos turbulentos normalmente verificam-se a sotavento das cadeias montanhosas.

Um terceiro tipo de turbulência, a “turbulência de ar limpo”, dá-se no espaço aéreo de nível superior como resultado de algo chamado “cisalhamento do vento”. É quando uma aeronave é deslocada da sua trajectória de voo por mudanças rápidas na velocidade ou direcção do vento a diferentes altitudes.

Estas perturbações atmosféricas têm sido descritas como a ondulação das ondas num rio.

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Natnan Srisuwan/GettyImages

A turbulência agravar-se-á com as alterações climáticas?

Sim, de acordo com uma série de estudos saídos em publicações científicas respeitadas. Paul Williams, professor de Ciências Atmosféricas na Universidade de Reading, no Reino Unido, co-autor de um artigo publicado na revista Nature, concluiu que é esse o caso numa rota de aviação movimentada sobre o Atlântico Norte.

Williams e os seus colegas afirmam que o cisalhamento do vento aumentou 15% desde 1979, gerando uma turbulência 55% mais grave sobre o Atlântico Norte, onde as correntes de jacto bandas de vento na atmosfera superior que frequentemente seguem as fronteiras entre o ar quente e o ar frio sobre as regiões polares se cruzam com rotas de voo comuns.

Numa entrevista, Williams alertou que algumas pessoas confundem o cisalhamento do vento com a velocidade do vento. “Podemos ter uma corrente de jacto ou uma corrente de ar atmosférica rápida a soprar a 500 milhas por hora [804 quilómetros por hora], e pode ser completamente livre de turbulência, se estiver a soprar a 500 milhas por hora numa série de altitudes e a velocidade for constante”, disse Williams. “Não é a velocidade que gera a turbulência. São as diferentes velocidades em diferentes altitudes.”

Os peritos que trabalham no planeamento de voos utilizam estes ventos fortes, ou correntes de jacto, para reduzir os tempos de voo e a quantidade de combustível necessária para atravessar o Atlântico Norte, muitas vezes sem problemas, fez notar Todd Lane, professor de Ciências Atmosféricas na Universidade de Melbourne, na Austrália.

A turbulência também está a aumentar nas correntes de jacto no hemisfério sul, admitiu Todd Lane, mas é menos problemática, porque está a ocorrer longe dos principais centros populacionais. Normalmente, os aviões não voam para lá. Não se vêem aviões a sobrevoar o Pólo Sul de um continente para o outro, afirmou.

Jung-Hoon Kim, professor associado da Universidade Nacional de Seul, foi co-autor de um artigo publicado em 2023 na revista Nature que concluiu que a turbulência das três fontes que afectam os aviões está a aumentar devido às alterações climáticas. A turbulência está também a aumentar nas rotas de aviação em rápido crescimento na Ásia Oriental, de acordo com o estudo que Kim – que iniciou a sua carreira como oficial meteorológico na força aérea sul-coreana, fazendo previsões de tufões redigiu em 2022.

Segundo este investigador, a taxa actual de turbulência grave é de apenas cerca de 1% em toda a atmosfera: É um acontecimento raro.” Até ao final do século XXI, prevê que essa taxa aumente para 2% devido ao aquecimento global.

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Michal Krakowiak/GettyImages

A turbulência pode ser evitada?

A boa notícia é que os especialistas em meteorologia estão a tornar-se bastante bons na previsão de turbulência grave – e os cientistas esperam que os melhoramentos na tecnologia e na previsão os ajudem a manterem-se à frente do aumento previsto de ar turbulento.

Os pilotos têm acesso a previsões meteorológicas detalhadas antes da descolagem e também comunicam regularmente com outros aviões na área para obterem actualizações em tempo real.

Há 20 anos, só conseguíamos prever 60% da turbulência. Actualmente, são 75 ou 80 por cento. E esse número está sempre a aumentar, disse Williams. É possível, teoricamente, que haja o dobro da turbulência na atmosfera, mas o mesmo número de aviões a encontrar turbulência; se conseguirem evitá-la, melhor.

Nas regiões tropicais, grande parte da turbulência está relacionada com as trovoadas que, segundo os cientistas, serão provavelmente mais frequentes e graves à medida que o ar aquece e mais vapor de água é bombeado para a atmosfera.

No futuro, segundo Lane, as companhias aéreas poderão dar mais espaço a estas tempestades. A distância-padrão que muitas companhias aéreas aplicam às tempestades é de 20 milhas [32 quilómetros]. Mas as pesquisas actuais mostram que as tempestades podem gerar turbulência severa até 60 milhas [96 quilómetros] de distância, disse ele.

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Jose Antonio Bernat Bacete/GettyImages

Apertar o cinto

A recente divulgação de mais turbulência também chamou a atenção para as práticas das companhias aéreas em relação aos cintos de segurança. Normalmente, as companhias aéreas permitem que os passageiros desapertem os cintos quando atingem a altitude normal de cruzeiro.

Após o incidente do mês passado, que ocorreu enquanto os membros da tripulação de cabina serviam o pequeno-almoço, a Singapore Airlines declarou que iria suspender o serviço de refeições e obrigar toda a tripulação de cabina a apertar o cinto, quando os aviões passassem por turbulência.

O voo 321 sobrevoava a bacia de Irrawaddy, em Myanmar, quando o avião caiu cerca de 178 pés em 4,6 segundos, criando uma força G de 1,5 e atirando os passageiros e a tripulação para o tecto da areonave, de acordo com um relatório preliminar do Transport Safety Investigation Bureau of Singapore. Um passageiro de 73 anos morreu de alegado ataque cardíaco e dezenas de pessoas ficaram feridas. Segundo as autoridades, muitos passageiros não estavam a usar o cinto de segurança.

É um pouco irónico, não é? Se estivermos a conduzir na estrada a 32 quilómetros por hora, é obrigatório por lei usar cinto de segurança. Mas se estivermos a voar a 40.000 pés de altitude e a centenas de quilómetros por hora, é um pouco opcional, disse Williams. “O piloto nunca tira o cinto de segurança no cockpit, a não ser que precise de ir à casa de banho.”

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