A pastelaria de Gabriela Ribeiro em Ovar inspira-se na tradição, mas é a criatividade que a move
Em Ovar, Gabriela, mais conhecida por Gaby, tem vindo a criar produtos diferenciados a partir do doce típico da sua terra natal. Na Gaby - Pastelaria d’ Autor
Aos cinco anos, já “brincava” com ovos, farinha e açúcar, reproduzindo aquilo que via as mulheres da família fazer. Entre elas estavam as suas tias-bisavós freiras, que abriram o primeiro estabelecimento de confecção e venda de pão-de-ló de Ovar. Já lá vão mais de 100 anos, mas Gabriela Ribeiro sabe a história de cor e salteado, tanto mais porque, nos últimos 28 anos, tem sido ela a grande responsável por cuidar desse legado.
Mais do que preservar a marca “Pão de Ló Celeste D’Ovar”, Gabriela, mais conhecida por Gaby, tem vindo a criar produtos diferenciados a partir do doce típico da sua terra natal. “Tenho tanta necessidade de criar como do ar para respirar”, conta a criadora de iguarias como trufas de chocolate belga e pão-de-ló de Ovar, queijadinhas de pão-de-ló, dom rodrigo de pão-de-ló e rendilhados de pão-de-ló. No fundo, o que tem vindo a fazer é juntar uma boa dose de criatividade à tradição.
“A receita das minhas tias freiras foi passando de geração para a filha mais velha de cada família”, conta a descendente da Celeste que deu nome à marca. “Era a mais nova das cinco irmãs freiras e a mais nova de 16 irmãos. A verdade é que a empresa chamava-se Celeste Gomes Pinto e irmãs”, acrescenta. O negócio ainda passou para a geração seguinte, mas viria a sofrer um interregno “de quase 50 anos”. “A minha mãe e as minhas tias não continuaram. Porque era muito trabalhoso e, naquela altura, também era um trabalho mais sujo, por ser feito em fornos a lenha”, enquadra.
Quando regressou a Ovar depois de ter estado em Lisboa a trabalhar na área da hotelaria e restauração, Gabriela Ribeiro, actualmente com 57 anos, lançou-se primeiramente num negócio de restauração e, dois anos depois, abriu também uma confeitaria para retomar a receita e a marca da família. “Gosto das duas coisas: da cozinha de restaurantes e da doçaria”, refere. Neste momento, dedica-se apenas à parte dos doces e tudo indica que não correrá o risco de ver a marca Celeste sofrer novo interregno. A sua filha mais velha, Maria, de 30 anos, já a ajuda na gestão do espaço Gaby – Pastelaria D’Autor. E a mais nova, Carolina, de 24, também vai dando uma preciosa ajuda com os seus conhecimentos de design.
No número 29 da Rua Cândido dos Reis, bem no centro de Ovar, não mora apenas uma confeitaria com várias mesas e cadeiras, e uma vitrine carregada de doces tentações. O espaço também é composto por uma ampla zona de atelier, onde a doceira vai partilhando a sua arte com aqueles que vão participando nos seus workshops. Uma das propostas gira à volta do pão-de-ló tradicional (4 euros por pessoa, com oferta de um pão-de-ló individual) e outra assenta que nem uma luva a quem anda a palmilhar aquele território com os olhos postos no azulejo. Trata-se de um workshop que ensina a fazer um azulejo de pão-de-ló de Ovar e que também dá direito a trazer um bolo individual para casa, além do próprio azulejo (7,50 euros por pessoa).
Para produzir cada azulejo, Gaby pega no produto acabado – ou seja, o pão de ló – e “desmonta-o”. “São três partes diferentes: a seca, a húmida e o ló em cima”, explicava, ao mesmo tempo que moldava uma massa feita a partir da camada mais seca e com um pouco da húmida. Estendida a massa, cortou-a em quadrados, pincelou uma das faces dos quadrados com “a parte húmida” e colou-lhes uma folha de hóstia. A parte mais artística é feita num quadrado de maçapão: depois de pintado, com recurso à técnica de estampilhagem, é colocado em cima da outra face do quadrado de massa. E está pronto para levar para casa. Também pode comer no local, é um facto, mas o ideal é que aproveite a visita para experimentar a adaptação que Gabriela Ribeiro fez de algumas receitas da doçaria tradicional portuguesa – nomeadamente, pastéis de Tentúgal, ovos-moles de Aveiro e o pão de rala alentejano. Isto para já nem falar na sua trilogia vareira: vareiros, vareiros da ria e vareiros da serra.
Depois de criar os primeiros, a doceira apostou em duas variantes. “O vareiro da ria é recheado com creme de pão-de-ló de Ovar e coberto com fios de ovos queimados, numa alusão ao moliço. Já o da serra leva, na cobertura, aquele produto que, no meu entender, melhor combina com o pão-de-ló: queijo da serra”, anuncia. Venha o diabo e escolha.