Parlamento suíço desafia decisão de tribunal europeu sobre “avós pelo clima”. E agora?
Câmara baixa do Parlamento suíço votou pela rejeição de uma decisão judicial que ordenava à Suíça que fizesse mais para combater o aquecimento global, criticando o “activismo judicial” do tribunal.
O Conselho Nacional suíço, a câmara baixa do Parlamento, votou esta quarta-feira pela rejeição de uma decisão judicial que ordenava à Suíça que fizesse mais para combater o aquecimento global, numa acção que pode encorajar outros países a resistir à influência dos tribunais internacionais.
Em Abril, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), em Estrasburgo, emitiu um acórdão sem precedentes, indicando que Berna tinha violado os direitos humanos de um grupo de mulheres suíças idosas, entre as quais as mulheres da associação KlimaSeniorinnen, na medida em que o Estado não tinha feito o suficiente para combater as alterações climáticas.
Mas a câmara baixa suíça seguiu os passos da câmara alta e aprovou, na quarta-feira, uma moção não-vinculativa com 111 votos a favor e 72 contra, criticando o "activismo judicial" do tribunal. O Conselho Nacional argumentou que não havia razão para tomar medidas adicionais, porque a Suíça, que está a aquecer a mais do dobro da taxa global, já estava a fazer o suficiente.
Quais foram os argumentos dos deputados?
Durante o debate, os deputados denunciaram a "interferência" do tribunal na democracia suíça e um deles qualificou a decisão de Estrasburgo de "errónea".
Michael Graber, deputado do Partido Popular Suíço (SVP), de direita, o maior partido do parlamento, pareceu troçar das mulheres idosas que fizeram parte do processo – que estavam presentes como observadoras da sessão parlamentar –, criticando-as por terem apresentado um caso "porque têm demasiado calor no Verão". Graber referia-se ao argumento de que as políticas climáticas inadequadas do governo podem aumentar os riscos para a saúde e mesmo o risco de morrer durante as ondas de calor.
Raphael Mahaim, deputado pelos Verdes que foi também advogado do grupo de mulheres, afirmou que "foi ultrapassada uma ‘linha vermelha’". "É uma desonra para o Parlamento."
"É realmente vergonhoso o que acabou de acontecer", afirmou Stefanie Brander, de 68 anos, à agência Reuters, após a votação, tremendo de raiva. "É um insulto e uma falta de respeito pelos nossos direitos, que foram confirmados por um tribunal internacional." No exterior do edifício, um pequeno grupo de manifestantes do clima segurou cartazes onde se lia "traído", "chocado" e "alarmado".
O que acontece a seguir?
A Suíça deve informar até Outubro o Conselho da Europa, ao qual pertence o tribunal, sobre como vai cumprir a decisão. Nenhum Estado-membro do Conselho da Europa jamais se recusou a aplicar uma decisão do TEDH, disse o porta-voz do Conselho da Europa, Andrew Cutting, embora tenha sublinhado que o caso está numa fase muito inicial de implementação.
O Conselho Federal da Suíça é livre de contrariar o Parlamento e cumprir o acórdão. No entanto, a ministra do Ambiente, um dos sete membros do Conselho Federal, também parece questionar a abrangência da aplicação do acórdão.
Em casos excepcionais, o comité do Conselho da Europa que supervisiona a aplicação das decisões pode remeter os casos novamente para o tribunal. Isto aconteceu apenas duas vezes nos 65 anos de história do TEDH.
Rejeição sem precedentes?
A Suíça é legalmente obrigada a aplicar o acórdão, nos termos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos que ratificou em 1974. No entanto, não é invulgar que os países demorem algum tempo a fazê-lo. De acordo com a Rede Europeia de Implementação, quase metade dos principais acórdãos proferidos pelo tribunal na última década ainda estão pendentes de aplicação total, levando em média mais de seis anos.
Isabela Keuschnigg, investigadora jurídica da London School of Economics, afirmou que, se o Governo se recusasse a aplicar a decisão, poderia "criar um precedente preocupante, minando o papel da tutela jurídica na governação democrática". Tal decisão, se formalizada, não tem precedentes no Conselho da Europa. Seria também uma prova do recuo político contra a acção climática internacional, sobretudo na sequência dos resultados obtidos pela extrema-direita nas eleições para o Parlamento Europeu deste mês.
O caso faz parte de uma série de litígios relacionados com o clima que estão a ser tratados por tribunais internacionais. O Tribunal Interamericano dos Direitos Humanos deverá emitir um parecer consultivo ainda este ano, depois de ter realizado audiências em toda a região.
Como é que a Suíça poderia acatar a decisão?
As opiniões divergem sobre as medidas que a Suíça teria de tomar para cumprir o acórdão. Helen Keller, uma ex-juíza suíça do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, disse que o tribunal de Estrasburgo estava a pedir menos do que os tribunais nacionais tinham exigido em casos climáticos anteriores, como o processo Urgenda contra os Países Baixos em 2019.
Dennis van Berkel, consultor jurídico do grupo ambientalista Urgenda Foundation, que apresentou o caso neerlandês, disse que seriam necessárias reformas políticas, uma vez que a Suíça está a ocupar uma parte do orçamento global de carbono restante que é o dobro em relação à sua população. Uma vez que o tribunal não foi prescritivo nos passos necessários, isso poderia ser feito através de medidas nacionais ou internacionais para ajudar outros países a reduzir as suas emissões de carbono.
As KlimaSeniorinnen podem reagir?
Um comité do Conselho da Europa reúne-se quatro vezes por ano para controlar o cumprimento das decisões do TEDH.
As requerentes do processo original, a associação KlimaSeniorinnen, composta por mais de 2500 mulheres com mais de 64 anos, podem apresentar queixa ao comité do Conselho da Europa se considerarem que a Suíça não está a cumprir as decisões.
O advogado do grupo de mulheres, Raphael Mahaim, disse à Reuters que o grupo está a considerar fazer isso, possivelmente antes do prazo de Outubro, tendo em conta as decisões do Parlamento.
A Suíça pode vir a abandonar a Convenção Europeia dos Direitos Humanos?
A expulsão do Conselho da Europa é uma possibilidade. A Rússia foi expulsa em Março de 2022, após a sua invasão em grande escala da Ucrânia. Os países também podem abandonar a convenção que o Tribunal de Estrasburgo supervisiona se não quiserem continuar a cumprir, como alguns membros do Governo britânico sugeriram – embora não tenham agido. A Grécia retirou-se temporariamente durante o governo de uma junta militar nos anos 1960-1970.
No entanto, os juristas afirmam que é pouco provável que o caso suíço provoque um êxodo e que é mais provável que a Suíça seja pressionada a aceitar a decisão. A especialista em litígios climáticos Joana Setzer, da London School of Economics, disse que o sistema de monitorização incentiva o cumprimento e que haveria "repercussões políticas e sociais significativas" para os países que o abandonassem.
Um pormenor: o ex-Presidente da Suíça Alain Berset está a concorrer para se tornar o próximo secretário-geral do Conselho da Europa. As eleições estão previstas para o final deste mês.