Pintura de Ticiano reencontrada numa paragem de autocarro londrina vai a leilão em Julho

Roubada aos marqueses de Bath em 1995, Descanso na Fuga para o Egipto reapareceu em 2002 e será agora leiloada pela Christie’s, que estima o seu valor entre 18 e 30 milhões de euros.

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Descanso na Fuga para o Egipto, de Ticiano DR
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Executada pelo pintor renascentista veneziano Ticiano quando este teria pouco mais de 20 anos, a pintura Descanso na Fuga para o Egipto, que foi roubada do palácio dos marqueses de Bath em 1995 e reapareceu sete anos mais tarde numa paragem de autocarro em Londres, vai ser leiloada pela Christie’s no próximo dia 2 de Julho, esperando-se que possa alcançar entre 15 e 25 milhões de libras (respectivamente 17,7 e 29,6 milhões de euros, ao câmbio desta quinta-feira).

Pintada a óleo sobre um painel de madeira de 46,5 por 64 centímetros, esta representação de José, Maria e Jesus gozando um momento de repouso durante a sua fuga para o Egipto terá sido realizada por volta de 1510, e passara já por muitas mãos quando o quarto marquês de Bath, John Thynne, a adquiriu há quase um século e meio, em 1878.

Em 1995, no tempo do sétimo marquês, Alexander Tynn, a obra foi roubada do imponente palácio da família, Longleat House, em Wiltshire, no sudoeste da Inglaterra, um assalto muito mediatizado na época, e cujo responsável nunca foi identificado. A família ofereceu uma recompensa de 100 mil libras a quem prestasse informações que conduzissem à recuperação da pintura, e esta acabou por aparecer sete anos mais tarde, em 2002, numa paragem de autocarro de Richmond, na área metropolitana de Londres, onde tinha sido deixada, já sem moldura, dentro de uma vulgar saca de plástico.

A descoberta deveu-se ao então responsável da unidade de investigação de roubos de arte e antiguidades na Scotland Yard, Charles Hill, que já adquirira notoriedade pública pelo seu papel na recuperação de uma das versões de O Grito, de Edvard Munch, roubado em 1994 do Museu Nacional de Oslo, na Noruega.

Nunca foram divulgados grandes pormenores da investigação. Charles Hill, que morreu em 2021, disse apenas que o local onde encontrou a pintura lhe tinha sido indicado, a troco das 100 mil libras de recompensa, por um homem que descreveu como um cruzamento de Arthur Daley e Lovejoy, protagonistas de duas populares séries criminais britânicas dos anos 80 e 90, respectivamente interpretados pelos actores George Cole e Ian McShane.

A obra voltou então à família dos marqueses de Bath, e está agora a ser vendida pelo actual detentor do título, Ceawlin Thynn.

Mas até chegar a Longleat House a pintura de Ticiano teve muitos anteriores proprietários devidamente documentados, e também já fora roubada antes do assalto à residência da família Thynne, que entretanto perdeu o “e” final.

O primeiro proprietário conhecido foi um compatriota de Ticiano, o negociante de especiarias veneziano Bartolomeo della Nave, que morreu em 1632.

A valiosa colecção do mercador foi então vendida por um irmão de Bartolomeo, Andrea, a James Hamilton, primeiro duque de Hamilton, num negócio intermediado pelo então embaixador inglês em Veneza, Basil Feilding.

Hamilton não teve muito tempo para apreciar o seu Ticiano, uma vez que, na sequência da guerra civil inglesa, seguiu o destino do rei Carlos I e foi executado em 1649.

Descanso na Fuga para o Egipto foi então vendida ao arquiduque Leopoldo Guilherme da Áustria (1614-1662), um conhecido coleccionador e mecenas de artistas, de quem passou para sucessivos titulares do Sacro Império Romano-Germânico, incluindo Carlos VI (1685-1740), a imperatriz consorte Maria Teresa da Áustria (1717-1780), ou José II (1741-1790). Durante o consulado deste último, a pintura de Ticiano foi transferida para o palácio Belvedere, em Viena, onde ainda estava quando foi saqueada em 1809 pelas tropas francesas, que levaram a obra para o Louvre, então efemeramente rebaptizado Musée Napoléon.

Antes de chegar às mãos do quarto marquês de Bath, a pintura ainda passou pelas mãos de Hugh Andrew Johnstone Munro of Novar (1797-1864), um abastado coleccionador de arte escocês, que foi ele próprio um artista amador e que se conta entre os principais mecenas do pintor William Turner. E agora, a ser bem-sucedida a venda em leilão, voltará a mudar de mãos, mais de meio milénio após ter sido criada pelo jovem Ticiano.

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