Antes do Euro 2024, a selecção nacional divertiu e divertiu-se
Os problemas sem bola não foram resolvidos e as dinâmicas do último jogo não foram treinadas, mas, paradoxalmente, o jogo com a Irlanda ajudou a dar confiança para o que aí vem. E isso já vale muito.
Para o jogo particular frente à Irlanda, o que era mais relevante para a selecção nacional? Ganhar para recuperar a confiança? Jogar bem para ter confiança no processo? Treinar novas dinâmicas? Não sofrer golos? Dar confiança individual a jogadores? Num cenário ideal, seria um pouco de tudo – e Portugal conseguiu, mesmo que sem brilhantismo, um pouco de tudo isso.
Venceu a Irlanda por 3-0, não sofreu golos, treinou novas dinâmicas, deu confiança a gente que precisava dela e desenhou alguns lances de qualidade. Foi feito um pouco de tudo e, nesse aspecto, foi uma boa tarde.
Mas há coisas a ter em conta. É que o problema mais premente da selecção, o do comportamento sem bola contra quem sabe tê-la, ficou por resolver – e nunca seria resolvido neste jogo, porque a Irlanda não sabe exactamente o que fazer à bola. Portugal não resolveu os seus problemas, mas tapou-os com golos.
Dia de plano B
Para este jogo, Roberto Martínez regressou ao plano B de três centrais, que já tinha abandonado, mesmo que, em teoria, o momento ofensivo fosse feito na mesma em 3x2x5, já que Palhinha ou um dos laterais, em construção, costumam baixar para a linha defensiva no 4x3x3.
Portugal atacou em 3x3x4 e por vezes em 3x2x5, quando Fernandes subia uns metros à frente de Neves e Cancelo. Essa dinâmica era complementada pela posição nova de Ronaldo, mais na meia-direita, e Félix e Fernandes, que apareciam na zona central do ataque, mesmo não partindo dela. Tudo isto eram dinâmicas novas, bem como a posição defensiva de 3x5x2, com Félix nas costas de Leão e Ronaldo.
Há quem possa argumentar que fazer experiências no último jogo pré-Europeu não tem nexo, mas, em rigor, o que havia para corrigir do jogo com a Croácia não seria corrigido com a Irlanda, porque o perfil das equipas é bem distinto.
Isto ficou patente na forma como Portugal pareceu pressionar bastante melhor e distribuir melhor o espaço pelos jogadores. Mas pode haver aqui um engano. É que houve, tal como com a Croácia, algum espaço depois da primeira linha de pressão, algo que teria sido aproveitado casos os médios da Irlanda se chamassem Modric, Kovacic ou Brozovic. Os irlandeses raramente tinham engenho técnico para tirarem a bola “redondinha” desse espaço central.
Mas os factos são o que são e é facto que Portugal se expôs menos, recuperou mais bolas e, aparentemente, pressionou melhor e de forma mais organizada.
A selecção nacional adoptou também um bloco um pouco mais baixo, já que esses momentos de pressão mais alta não foram permanentes, como com os croatas.
Ofensivamente, houve alguns desenhos interessantes, quase sempre pela atracção de um dos cinco defesas da Irlanda – geralmente o central do lado da bola. Foi assim aos 13’, quando o central arrastado deixou Leão em um contra um (Fernandes definiu mal) e aos 18’, quando Dalot atraiu o adversário e Bruno rompeu pelo espaço deixado vago pelo jogador arrastado – houve boa bola de Ronaldo e finalização de Félix defendida pelo guarda-redes.
Portugal marcou aos 19’, num canto curto no qual Szmodics adormeceu em serviço e deixou Félix com espaço para finalizar de pé esquerdo.
Golos de Ronaldo
Nota para Ronaldo, que esteve bastante em jogo e daí pode vir um copo meio-cheio, que nos diz que o capitão teve bastante bola e deu qualidade, ou o meio-vazio, que lembra que quando Ronaldo assume este papel geralmente isso não dota a equipa de especial qualidade a construir e deixa-a refém de uma referência de área.
Entre uma coisa e outra, pelo menos frente à Irlanda, pareceu ser uma aposta ganha. Com bola, conseguiu quase sempre encontrar soluções e não individualizou em excesso os lances. A finalizar, como aos 50’, pôde explorar essa meia-direita com um remate tremendo de pé esquerdo, depois de o lateral irlandês, sem motivo aparente que não o desleixo, ter deixado o seu central sozinho com as encomendas.
É certo que qualquer dos golos teve alto patrocínio do desleixo irlandês, mas também é relevante que Ronaldo e Félix tenham marcado. São dois jogadores com algo a provar por estes dias, um por vir de um contexto apontado como frágil e outro por não estar na melhor fase da carreira.
E Ronaldo foi mais longe dez minutos depois, finalizando, à ponta-de-lança, um passe de Diogo Jota, que tinha recuperado uma bola em zona ofensiva – algo que poderá ser muito importante para a selecção e pode adensar dúvidas sobre o duelo Jota vs. Leão.
A partir daqui houve claramente um jogo de diversão. Com os irlandeses perdidos, houve muitas transições e Portugal pôde divertir e divertir-se.