O acto “mais generoso” de Camões foi o aperfeiçoamento da língua
Rita Marnoto, comissária-geral da estrutura de missão responsável pelas comemorações dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões, deu início ao programa de celebrações que se estende até 2026.
O acto de partilha "mais generoso" de Camões foi "a língua portuguesa", que o poeta aperfeiçoou, afirmou esta segunda-feira a comissária das comemorações do 500.º aniversário do nascimento do autor d'Os Lusíadas.
"Talvez o acto de partilha mais generoso dessa busca de Luís de Camões e do Portugal do seu tempo tenha sido a língua portuguesa, a língua que o poeta modelou e aperfeiçoou em versos de rara fineza", afirmou Rita Marnoto, a comissária-geral da estrutura de missão responsável pelas comemorações do quinto centenário do nascimento de Luís de Camões.
A também professora catedrática da Universidade de Coimbra discursava na Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra, na cerimónia de arranque das comemorações, iniciativa que integra o programa oficial do 10 de Junho.
Perante uma plateia onde estavam o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente da Assembleia da República, José Aguiar-Branco, e o primeiro-ministro, Luís Montenegro, Rita Marnoto realçou a projecção da obra de Camões, quer no tempo quer no espaço, colocando o poeta no "patamar dos clássicos", dos grandes autores "capazes de surpreender o seu próprio tempo e de continuar a questionar e a inquietar, ao caso, cinco séculos de história, até hoje".
No seu discurso, a catedrática destacou também a forma como o Oceano Atlântico passou a ser navegado, ao longo de cinco séculos, "através da língua portuguesa", através de viagens de poetas, nomeadamente de Camões.
No entanto, Rita Marnoto não esqueceu que essas viagens de "experiência e conhecimento" foram também "viagens trágicas de negreiros, de tráfico humano e de corso, de deportação e de sofrimento", "viagens de "morabeza" [regionalismo do crioulo cabo-verdiano associado a amabilidade] e de saudade, em que a chegada nunca corta as amarras da partida", acrescentou.
Na sua intervenção, a comissária-geral realçou ainda a forma como Camões era um "ser insatisfeito", que indagava pelos "meandros da intimidade, entre sonhos e desilusões" e que se destacava por reflectir sobre o confronto "entre opostos ou a errância".
Rita Marnoto notou também a forma como o poeta contaminou a tradição literária, quer quando pôs "uma mulher, Vénus", a achar a frota de Vasco da Gama, no final da sua viagem, ou quando questionou a ideia de beleza tradicionalmente assente numa mulher "loura e com pele clara".
"Os cabelos escuros de Bárbora e a sua pretidão são inconciliáveis com o padrão literário", referiu a especialista, considerando que o fascínio de Camões é tal que o leva a "operar uma inversão do ideal de beleza". "Os seus cabelos pretos são tão belos que há que rever a opinião que dá primazia aos louros, e a cor da sua pele faz com que seja a neve a querer mudar de cor", notou.
Antes da comissária-geral, discursou o reitor da Universidade de Coimbra, Amílcar Falcão, que salientou a ligação que o poeta terá tido com a cidade, "uma forte candidata a ser reconhecida como lugar de formação do maior poeta de língua portuguesa".
Na sua intervenção, Amílcar Falcão considerou que "a pátria de Camões não era tanto o Portugal real, mas o Portugal sonhado".
"O Portugal tornado mundo na Ilha dos Amores. Nessa ilha sem tempo e sem lugar, onde apenas conseguem chegar os que superam os medos e se superam a si próprios", vincou.
Também o reitor da Universidade de Coimbra destacou a "causa da língua portuguesa" como uma das causas que o poeta serviu, sublinhando que uma das grandes tónicas da obra de Camões foi "a busca do conhecimento, e a certeza de que essa será sempre uma busca inacabada".