Está lá a planta parasita Pilostyles aethiopica, do Zimbabwe. Também encontramos a espécie Hesperelaea palmeri, do México, já extinta, ou a pequena árvore tropical Medusanthera laxiflora, da Nova Guiné. E é possível ver a papoila-dormideira, nativa de Portugal. É quase como uma grande “reunião” de família de plantas com flores – agora, uma equipa internacional de cientistas reconstituiu a árvore da vida das plantas com flores, que é composta por mais de 9000 espécies, incluindo mais de 400 de Portugal. Este retrato de família foi publicado na revista científica Nature e apresenta-se como uma referência para os estudos botânicos.
Parece só um retrato muito certinho e simples, mas é muito mais que isso: a reconstituição da árvore da vida das plantas com flores, as angiospérmicas, foi um longo processo. Para chegar a essa fotografia de família, a equipa de cientistas liderada por Alexandre Zuntini, biólogo dos Jardins Botânicos Reais de Kew, perto de Londres, analisou as “marcas” deixadas no ADN de milhares de espécies.
O biólogo explica ao PÚBLICO que se começou por extrair ADN de mais de 7000 espécies e sequenciar-se centenas de porções do genoma de cada uma delas. Depois, juntaram-se esses dados com outras informações já disponíveis para quase 2000 espécies. Assim, com mais de 9000 espécies, se foi reconstituindo uma história de vida das plantas.
“O princípio é parecido com um teste de paternidade, onde o ADN é usado para confirmar o parentesco”, compara Alexandre Zuntini. A grande diferença é a escala do tempo: enquanto num teste de paternidade se está limitado a uma geração, num estudo evolutivo, como este das plantas, estão em causa milhões de gerações – e, claro, de anos. Uma outra diferença é aquilo que se procura: se num teste de paternidade estão em causa sequências idênticas, no estudo botânico tentam desvendar-se mudanças nas sequências de ADN, isto é, mutações genéticas. Dessa forma, consegue-se analisar a evolução de cada um dos genes e combinar isso numa única história para todas as plantas.
Mais: a juntar a essa história, a equipa usou informações de cerca de 200 fósseis. O objectivo foi estimar quando cada um dos ancestrais das plantas actuais terá vivido. Com tudo isto, foi possível estudar a relação entre as plantas, bem como as dinâmicas da sua evolução.
Picos de aparecimento de plantas com flores
A reconstituição desta árvore da vida levou a duas grandes linhas de conhecimento. Na primeira, tornou-se possível revisitar o conhecimento sobre a relação entre as múltiplas linhagens de plantas. Desta forma, melhoraram-se as hipóteses sobre o parentesco das plantas com flor. “No passado, [esse conhecimento] era sobretudo baseado em poucos genes”, nota Alexandre Zuntini. “A quantidade mais ampla de dados permite identificar regiões da árvore com grande conflito entre as histórias de cada gene.” Uma outra linha de conhecimento apontada por Alexandre Zuntini foi a identificação de dois momentos em que surgiram mais espécies: o primeiro foi há 145 milhões de anos e o segundo há 40 milhões de anos.
A grande quantidade de dados incluídos nesta árvore da vida permitirá muitos novos estudos, consideram os autores do estudo. “Além de servir como referência para estudos botânicos de uma forma geral, estará disponível para todos os que quiserem fazer bom uso dela”, sugere Alexandre Zuntini. O biólogo até dá um exemplo: ao se compreender melhor a relação de parentesco entre as espécies, poderá ser possível encontrar informações para compostos que possam ser úteis para a sociedade. Aqui, ferramentas da inteligência artificial poderão ser essenciais.
E onde entram neste retrato as plantas de Portugal? Alexandre Zuntini indica que estão no trabalho cerca de 480 espécies da flora portuguesa. O biólogo exemplifica que algumas interessantes e muito cultivadas no país são o castanheiro-do-diabo (Datura stramonium) e a papoila-dormideira (Papaver somniferum). Mesmo assim, esclarece que as amostras das mais de 400 espécies são provenientes de diferentes colecções e nenhuma delas directamente de Portugal.