Bisontes-europeus, “potenciais heróis climáticos”, já chegaram a Portugal

Pela primeira vez, uma manada de bisontes-europeus vive em Portugal. Um estudo concluiu que a actual população destes animais pode capturar o CO2 libertado por 123 mil automóveis por ano, na Europa.

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As interações dos bisontes com o meio-ambiente podem ajudar a mitigar as mudanças climáticas STRINGER/MEXICO / REUTERS
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A primeira manada de bisontes-europeus, constituída por oito animais, já chegou a Portugal e vai viver numa herdade em Castelo Branco, onde se espera que desempenhe vários papéis. De acordo com a Rewilding Portugal, a presença dos animais vai estimular a biodiversidade e apoiar o crescimento do turismo de natureza, mas também contribuir para o sequestro de carbono. O bisonte-europeu vai partilhar a paisagem com uma manada de tauros, que foi translocada para o Grande Vale do Côa em 2023 e que recentemente se mudou para a mesma propriedade.

Segundo o comunicado da Rewilding Portugal, o acolhimento dos bisontes em Portugal trata-se de uma translocação pioneira, sendo os animais provenientes de reservas da Polónia."Esta é a primeira translocação de bisontes-europeus para Portugal de sempre." Noutros tempos ameaçados de extinção, os bisontes prestam agora grandes serviços aos ecossistemas, sendo uma clara lição de sucesso de como a conservação animal e a protecção ecológica podem trabalhar em conjunto.

Por exemplo, como grandes herbívoros, os animais "diminuirão o risco de incêndios catastróficos" ao reduzirem a vegetação inflamável e criarem corta-fogos naturais, enquanto abrem áreas florestais, o que permite "a entrada de mais luz e o crescimento de erva em vez de mato", segundo o comunicado.

Os surtos de incêndios estão a tornar-se cada vez mais comuns nas regiões mediterrânicas, à medida que as alterações climáticas conduzem a temperaturas mais extremas. "Este problema é agravado pelo facto de os arbustos invadirem áreas de onde o gado desapareceu em resultado do despovoamento rural", justificam os promotores.

"Enquanto espécie-chave emblemática do movimento de rewilding, o bisonte-europeu tem potencial para ser um herói climático e da biodiversidade. Esta é uma das razões pelas quais é tão importante o actual regresso deste herbívoro influente às paisagens europeias, juntamente com os esforços para apoiar o crescimento da população", sustentaram os organizadores da iniciativa.

“Estamos a encarar esta translocação como um teste-piloto”, explica o líder da equipa da Rewilding Portugal, Pedro Prata. “Os bisontes serão monitorizados de perto para ver como se adaptam à paisagem e ao clima locais. Esta é a primeira vez que a equipa da Rewilding Portugal gere bisontes, por isso é um processo de aprendizagem para nós também."

Resgate de 54 mil toneladas de carbono

Os bisontes-europeus prestam, sem esforço, um importante serviço à natureza. "Através do pastoreio natural e de outras interacções com a paisagem, os bisontes europeus dos Cárpatos do Sul ajudam a manter um mosaico de florestas, matos e prados rico em biodiversidade, bem como numerosos micro-habitats, que albergam uma vasta gama de espécies vegetais e animais", refere uma nota de imprensa da Rewilding.

Estas interacções dos herbívoros com o ambiente também podem promover a captura de carbono atmosférico na vegetação, no solo e nos corpos dos próprios bisontes, segundo um estudo da Universidade de Yale, nos EUA, e da Global Rewilding Alliance, publicado em Maio.

O estudo indica que a actual população de bisontes-europeus pode ajudar a absorver e armazenar anualmente mais de 54 mil toneladas de carbono atmosférico, o equivalente à quantidade de CO2 libertada por cerca de 123 mil carros europeus por ano. Os autores ressalvam que o valor é "uma estimativa calculada com os melhores dados disponíveis", admitindo a necessidade de realizar mais estudos para obter resultados mais rigorosos, no entanto, argumentam que "os dados utilizados fornecem uma aproximação razoável do fluxo de carbono na área de estudo".

Os bisontes analisados pelo estudo da Universidade de Yale estão nas montanhas Țarcu, nos Cárpatos do Sul, na Roménia. A presença destes animais nesta zona deve-se ao acolhimento de mais de 99 bisontes nos Cárpatos do Sul, entre 2014 e 2023, pela Rewilding Europe e a World Wildlife Fund Romania (WWF).

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João Cosme/Rewilding Portugal

A actual população de bisontes europeus nas montanhas Țarcu é de aproximadamente 180 indivíduos, segundo um estudo de 2022, distribuídos em cerca de 300 quilómetros quadrados. Estima-se que, para 2030, a população seja de 350 a 450 bisontes, o que aumentaria ainda mais a sua capacidade de absorção de carbono. "Estudos centrados na reintrodução de outras espécies de vida selvagem, incluindo o bisonte-americano, mostraram que o impacto positivo mensurável em termos de captura de carbono é detectável no prazo de cinco a dez anos após a libertação", explicam os especialistas.

"Os investigadores utilizaram um novo modelo informático desenvolvido pela Yale School of the Environment, em colaboração com a Global Rewilding Alliance, que calcula a quantidade adicional de CO2 atmosférico que as espécies de animais selvagens ajudam a capturar e armazenar nos solos através das suas interacções nos ecossistemas", detalha a nota de imprensa da Rewilding sobre este estudo publicado em Maio. "Ao analisar os números relevantes através do modelo, os investigadores descobriram que quase dez vezes mais carbono é capturado e armazenado nas plantas, no solo e nos próprios bisontes em toda a área de estudo, em comparação com uma situação em que não há bisontes presentes", acrescentam.

“Agora, os resultados deste estudo reforçam a importância de trazer de volta a vida selvagem, incluindo mais bisontes, para as paisagens europeias, o que pode ter um impacto positivo no clima, bem como na natureza e nas pessoas. A vida selvagem é o herói desconhecido na mitigação das alterações climáticas e o rewilding pode desempenhar um papel fundamental no apoio ao regresso da vida selvagem”, diz Frans Schepers, director executivo da Rewilding Europe, em comunicado de imprensa.

Os bisontes-europeus nos Cárpatos do Sul não recebem qualquer tipo de alimentação suplementar, ao contrário de outras populações de bisontes em liberdade, o que significa que o contexto ecológico para estudar o seu impacto na paisagem é completamente natural.

O modelo utilizado pela equipa de estudo para avaliar o impacto do bisonte no carbono nos Cárpatos do Sul está agora a ser aplicado a várias paisagens em todo o mundo, sublinha a nota de imprensa, que cita ainda Karl Wagner, director-geral da Global Rewilding Alliance: “Como meio de permitir a recuperação da natureza, o rewilding pode restaurar a saúde e a funcionalidade dos ecossistemas, aumentando assim a capacidade desses ecossistemas para capturar e armazenar carbono. Para corrigir o nosso clima, precisamos não só de reduzir as emissões de carbono o mais rapidamente possível, mas também de aumentar o rewilding o mais rapidamente possível.”

Além dos bisontes-europeus, há outras espécies de vida selvagem que estão a regressar à Europa, como ursos, castores, lobos, linces, águias e baleias. Embora o bisonte-europeu não tenha sido registado naturalmente na Península Ibérica, foram registados nesta região restos do extinto bisonte-das-estepes, do qual descendem os bisontes actuais.

O bisonte-das-estepes extinguiu-se há cerca de 10.000 anos, após a última era glaciar, mas o bisonte-europeu que coexistiu com o bisonte das estepes durante dezenas de milhares de anos na Europa espalhou-se para o leste da Europa, até ao rio Volga e às montanhas do Cáucaso.

"Os bisontes-europeus foram levados ao limiar da extinção pela caça e pela perda de habitat. Quando o último bisonte-europeu selvagem foi abatido no Cáucaso, em 1927, restavam apenas 54 bisontes-europeus vivos, todos em cativeiro", lembram os especialistas que aplaudem o regresso da espécie. Na última década, o número de bisontes-europeus aumentou de pouco mais de 2500 para cerca de 9000 indivíduos.