A caçada de Tiganá Santana em Setúbal

Na derradeira noite do festival Língua Terra, o músico brasileiro apresenta o seu último álbum, Caçada Noturna, contando com a ajuda de Mayra Andrade e Lenna Bahule.

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Tiganá Santana vai já no quinto álbum em nome próprio DR
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Caçada Noturna inicia-se com Das matas, uma canção de Fabrício Mota que Tiganá Santana quis colocar no seu quinto álbum enquanto homenagem a Oxossi, orixá caçador da mitologia ioruba abraçada pelas culturas afro-brasileiras. “Desce p'ra encantar seu terreiro”, canta Tiganá, figura singular da música brasileira, cantautor, tradutor, filósofo, poeta, homem de mil trabalhos e entusiasmos – que, inevitavelmente, se cruzam nas suas várias práticas.

Por entre a levada bahiana de Das matas, há-de escutar-se a voz do músico a ler um texto da sua autoria intitulado O Ofá como oficina. É um dos muitos indícios de como anda tudo ligado na criação de Tiganá, neste álbum cujo título se inspira no homónimo poema de Paulo Colina, e que tanto presta uma “grande homenagem a esse orixá da ideia de busca, de uma entrada no que há de mais íntimo”, como adentra numa floresta que aparece como paisagem externa e como emanação da obra Floresta de Infinitos, que Tiganá apresentou na última Bienal de São Paulo, em parceira com o artista visual Ayrson Herácilto.

Tiganá Santana fugiu à carreira de diplomata que a mãe tinha sonhado para ele e preferiu estudar Filosofia, investigar línguas africanas e dar sequência ao seu amor precoce e profundo pela música de João Gilberto. Foi isso que logo impressionou quando gravou o primeiro álbum, Maçalê, em 2010: o violão doce, a voz desapressada, a firme postura anticolonial defendida em Le Mali Chez la Carte Invisible, a inesperada adopção de línguas como o quicongo e o quimbundo para embalar alguns dos seus versos.

De certa forma, é tudo isso que encontramos ainda em Caçada Noturna – também aqui há Nkongo, tema cantado em quicongo –, álbum que sucede à colaboração com o pianista cubano Omar Sosa (Iroko) e gravado – quão improvável seria – no cenário alentejaníssimo do Musibéria, em Serpa. E é, em parte, reacção a esse anterior “álbum não propriamente de canções, mais experimental, com outras imagens, com outro tipo de ‘cinema’ a acontecer”. O experimental, em Iroko, não significava qualquer mergulho em lugares de estranheza, mas antes uma partilha com Omar Sosa de temas de estrutura menos fixa, de ideias circulares, de uma maior abertura ao momento e aos instrumentais.

Em Caçada Noturna há um único instrumental, Estrelas pernoitadas, composto já durante a residência em Serpa – e que, em certa medida, o músico admite respirar um pouco da paisagem à sua volta (como aconteceu também quando, antes, gravou no Brasil, no Senegal ou na Suécia). De resto, é um álbum de “regresso ao universo das canções” e que obedece “à vontade” de Tiganá Santana de o alavancar nos instrumentos de cordas em que compõe a maior parte dos seus temas. Depois, a oportunidade de gravar no Alentejo levou-o a chamar os “companheiros de muitos anos” Leonardo Mendes e Ldson Galter. É com eles que passeia pelas heranças de João Gilberto, pela canção da Bahia (com muita África dentro) e por uma certa folk distendida norte-americana à moda de Will Oldham (em Partes de mim).

Caçada Noturna é também um álbum que, pela sua orgânica e pela natureza criativa de Tiganá Santana, assenta numa exploração de espaços e silêncios que o músico assume serem “grandes fontes para se experienciar a música”. “Talvez isso se tenha feito notar mais neste álbum”, admite, assim como no passado marcara The Invention of Color (2013), responsável pela notoriedade internacional de que o músico brasileiro passou a gozar desde então.

Em Setúbal, na derradeira data da quarta edição do festival Língua Terra no Fórum Luísa Todi, Tiganá Santana apresenta este sábado Caçada Noturna (e algumas passagens pela anterior discografia), num concerto que contará com as participações especiais da cabo-verdiana Mayra Andrade e da moçambicana Lenna Bahule. Um encontro que, “para que de facto seja firme”, diz o músico, passará pelos reportórios de todos.

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