Portugal e Espanha elaboram um novo protocolo para regularizar a captação de água no Pomarão

Desde o final de Abril que Alqueva está a debitar para o troço internacional do rio Guadiana muito mais água do que a que recebe a partir do açude de Badajoz.

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O rio Guadiana, na fronteira entre Portugal e Espanha Sonia Bonet/GettyImages
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A discussão sobre o sistema de captação de água que as autoridades espanholas mantêm há décadas no Pomarão, mesmo na linha de fronteira entre os dois países ibéricos e na confluência dos rios Chança e Guadiana, continua. Portugal e Espanha querem fazer com carácter de “imensa urgência” o levantamento da situação em Boca-Chança, para que seja tomada “uma decisão final” sobre as captações de água que são efectuadas para Huelva e que são insistentemente reivindicadas pela Junta Autónoma de Andaluzia e por organizações de agricultores da região espanhola.

Na última quinta-feira, no decorrer de uma audição na Comissão Parlamentar de Ambiente e Energia, a ministra do Ambiente e Energia (MAE), Maria da Graça Carvalho, revelou alguns pormenores de uma reunião - que “correu muito bem” com a sua homóloga espanhola, a ministra para a Transição Ecológica e o Desafio Demográfico (MITECO), Teresa Ribera Rodríguez.

Nessa reunião bilateral realizada em Bruxelas, a 1 de Junho, à margem do Conselho de Ministros da Energia da União Europeia, as duas ministras decidiram encarregar a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a sua congénere espanhola Direcção-Geral da Água (DGA) de prepararem uma proposta de acordo, a firmar entre os dois países, sobre os vários projectos de utilização da água do rio Tejo e do rio Guadiana.

Na comissão parlamentar, Graça Carvalho adiantou mais pormenores sobre as questões que diz ter exposto no domínio da água, nomeadamente “o parecer que precisamos para a tomada de água do Pomarão”.

Com efeito, esta foi uma das questões colocadas pelo deputado socialista, Luís Graça: queria saber se o Estado espanhol já se tinha pronunciado [tem de o fazer até ao dia 15 de Junho] sobre o sistema de captação de água a instalar a cerca de dois quilómetros de Boca-Chança, frente à povoação de Mesquita, no concelho de Mértola. A ministra do Ambiente não confirmou se o Estado espanhol já tinha tomado posição, conforme determina a Convenção de Albufeira.

Inevitavelmente, a discussão à volta do transvase de água para o Algarve acabaria por desaguar na polémica antiga sobre o sistema de captação de água que as autoridades espanholas mantêm há décadas no Pomarão. “Também nós [Governo português] gostaríamos de ver clarificadas do lado espanhol algumas informações não fundamentadas com números, de que haverá capturas [de água] acima do que legalmente estaria previsto ou do que está acordado, na captação de Boca-Chança”, vincou Graça Carvalho.

A APA confirmou ao PÚBLICO, no Verão de 2023, que o Governo português não tinha aprovado as captações de água a partir da estação elevatória espanhola de Boca-Chança, no rio Guadiana, alegando que o sistema “deveria ter parado de funcionar em 2003, após a inauguração da barragem do Andévalo”, construída na bacia do rio Chança. E lembrou que o sistema instalado no rio Chança pelas autoridades espanholas “ainda está a título provisório e o seu funcionamento definitivo não foi autorizado pelo Estado português”. Agora, Portugal pretende “ter dados concretos sobre o que está a acontecer no Pomarão”, como salientou a ministra aos membros da comissão parlamentar, admitindo que o seu ministério “sabe o que é pretendido e o que se está a passar no Boca-Chança”.

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Canal de Chança Miguel Manso

Prevalece a dúvida

Recorde-se que em Novembro de 2023 Teresa Ribera reagiu à solicitação dos agricultores de Huelva que reclamavam o acesso à água de Alqueva, considerando “quase impossível” a transferência de água a partir da barragem portuguesa com um argumento de peso: este tipo de reivindicações não está abrangido pelo Acordo de Albufeira, assinado em 1998, e que estipula a gestão dos rios fronteiriços entre ambos os países.

Ao fazer o balanço da situação de seca no Algarve, a ministra do Ambiente portuguesa, lembrou aos deputados da comissão parlamentar que a situação de escassez de água em que se encontra a região do Algarve “não é conjuntural, é sistémica” e decorre das alterações climáticas, e não se antecipa que esta tendência se altere no futuro. De acordo com séries mais longas de dados, a APA conclui que se tem verificado uma “seca duradoura, cumulativa, de nove anos”, salientou.

Se esta realidade acontece no Algarve, facilmente se perceberá que na região de Huelva a escassez de água ainda é mais crítica. Fica a aguardar-se pela informação do Governo português, que virá no sentido de aprovar ou não o fornecimento de água a Huelva, a partir de Boca-Chança. Prevalece uma dúvida: se o Governo espanhol der o seu aval à captação de água para o Algarve, irá aceitar que o sistema espanhol no Pomarão seja encerrado?

No final do passado mês, representantes da Associação de Citrinos da Província de Huelva, Cooperativas Agro-Alimentarias Huelva, Asaja-Huelva, UPA-Huelva e Associação de Comunidades de Rega de Huelva lançaram um ultimato à junta de Andaluzia e ao Governo central que é revelador do mal-estar que prevalece na região espanhola devido à escassez de água. Exigem saber como vão as negociações com Portugal para “resolver a situação de bombagem de Boca-Chança e garantir os 75 hm³ incluídos no plano hidrológico” da região andaluza, transcreve-se do comunicado então tornado público.

Esta infra-estrutura hidráulica tem actualmente capacidade para bombear 63 hectómetros cúbicos (hm³) de água. "A solução tomada passa por adicionar 12 hm³ por ano até atingir os 75 hm³ estabelecidos no plano de emergência da bacia”, salienta a informação da junta de Andaluzia, que aprovou em 2023 um investimento de 2,8 milhões de euros para aumentar a capacidade de bombagem daquele sistema de captação instalado no início dos anos 90.

Acentuado aumento de descargas de água

Os agricultores espanhóis contrastam a abundância de água em Alqueva com os volumes minguados na rede de barragens da região de Huelva. A forte pluviosidade que se registou no sul do país entre Janeiro e final de Março garantiu o enchimento pleno da albufeira de Alqueva.

Mas será que a abundância pontual de água justificou uma alteração recente no regime de caudais lançados a partir da barragem de Pedrógão? Pelo segundo ano consecutivo, a EDIA debitou entre os dias 27 e 29 de Fevereiro e a partir da barragem de Pedrógão um volume de descargas para jusante de 260, 312 e 262 /s, para “assegurar a manutenção do regime natural do curso de água, a limpeza e a preservação dos ecossistemas ao longo do rio, até à sua foz”.

A partir de 10 de Abril e até ao presente, assiste-se a um acentuado aumento do volume de descargas de água na barragem de Pedrógão, superiores aos recebidos na albufeira de Alqueva, entre duas a quatro vezes mais. O exemplo mais recente está expresso nos gráficos publicados no dia 5 de Junho: no açude Badajoz, na fronteira com Portugal. O caudal debitado neste dia, às 23 horas, foi de 06,64 /s. Na estação do Monte da Vinha, já em território português, e distanciado do açude de Badajoz cerca de seis quilómetros, o volume de água registado foi de 08,30 /s e deu entrada na albufeira de Alqueva.

Da barragem de Pedrógão, que recebe e armazena a água descarregada pelas centrais hidroeléctricas de Alqueva, foram debitados para o troço internacional do Guadiana (entre o Pomarão e Vila Real de Santo António) 48,11 /s. Deste total, a estação instalada no Pulo do Lobo registou 19,04 /s, cerca de três vezes mais do que as afluências entradas na albufeira de Alqueva. Não é uma situação pontual, mas a constante que se observa desde o início de Abril.

O PÚBLICO solicitou esclarecimentos à APA sobre as razões que justificaram o aumento nos caudais lançados no troço internacional do Guadiana, mas até ao fecho da nossa edição não obtivemos resposta. Até 2021, o volume de água debitado por Alqueva, para garantir o caudal ecológico do rio, era de 2 /s.

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