A corrida à mineração submarina é “o último acto de irresponsabilidade colectiva da humanidade”

Neste Dia dos Oceanos, apesar dos desafios, há um certo optimismo no ar. Com os avanços dos últimos anos, já “podemos ter direito a ter ambição”, reconhece Tiago Pitta e Cunha, em entrevista ao Azul.

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A sociedade civil tem sido fundamental no impulso para a criação de políticas de conservação marinha LISI NIESNER / REUTERS
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Apesar de estar quase tudo por concretizar, o ambiente é de optimismo neste Dia Mundial dos Oceanos. No ano passado ficou finalmente concluído o Tratado do Alto-Mar, que estava há mais de 20 anos em negociação. A pressão é forte nas negociações para um futuro tratado global das Nações Unidas para combater a crescente poluição por plásticos. Há ainda um foco crescente na concretização do compromisso de Kunming-Montreal, assumido na COP15 da Biodiversidade, no final de 2022, que exige aos países atingirem 30% de áreas protegidas (incluindo áreas marinhas) até 2030 - o chamado objectivo 30x30.

Perante grandes conquistas do sistema internacional, “há muitas razões para estar optimista nesta área de governação dos oceanos”, nota Tiago Pitta e Cunha, presidente da comissão executivo da Fundação Oceano Azul (FOA). Um dos mais vocais defensores dos oceanos, o jurista especializado em assuntos do mar fala ao Azul a partir da Costa Rica, onde se encontra a representar a FOA no encontro de alto nível Immersed in change, que vai lançar a terceira Conferência dos Oceanos das Nações Unidas (UNOC3), agendada para Junho de 2025, em Nice, França.

Os avanços dos últimos anos, que “resultam muito da pressão da sociedade civil”, permitem hoje reconhecer que “podermos ter direito a ter ambição”. E “ambição” é a palavra-chave para a Conferência dos Oceanos de Nice, que se espera marcar uma década de acção (e não apenas de intenções). Depois de Lisboa, conferência importante para acertar ponteiros mas que não resultou em conclusões robustas, a comunidade internacional espera que “Nice seja mais como Paris 2015 para o oceano”.

Mas como chegar lá? A Fundação Oceano Azul levou para o encontro de alto nível na Costa Rica um conjunto de recomendações substantivas sobre decisões para a protecção global dos oceanos que considera prioritárias e podem vir a ser aprovadas em Nice.

Mineração em mar profundo

Uma das reivindicações mais importantes da comunidade científica e a sociedade civil é “uma pausa precaucionária da mineração submarina, apelando à Autoridade dos Fundos Marinhos, que é a organização das Nações Unidas responsável pela mineração submarina, para impedir que haja uma corrida para o fundo da mineração submarina, o que seria o último acto de irresponsabilidade colectiva da humanidade”, afirma Tiago Pitta e Cunha.

“Hoje sabe-se, com base na ciência, que os impactos negativos ambientais da mineração submarina irão pôr em causa completamente todo o funcionamento do sistema oceânico”, sublinha o jurista, enunciando as “enormes repercussões” de remexer os fundos marinhos.

Em causa está “não apenas a destruição de tudo o que é a vida desses fundos marinhos, mas a libertação de metais pesados, de materiais radioactivos, de CO2”, o que poderá afectar, entre outras, “desde logo as espécies que são recursos pesqueiros e a segurança alimentar da população do planeta”.

Tiago Pitta e Cunha caracteriza como uma espécie de “logro” a ideia de que será necessário “minerar o fundo marinho para poder fazer uma transição para a economia verde”, tendo em conta que, “neste momento, o que existe de minerais nas minas terrestres é suficiente e a tecnologia destes produtos, nomeadamente das baterias, está sempre a evoluir”. “É uma falsa questão e parece-me que é um tema de debate que não tem vindo a ser discutido na sociedade portuguesa.”

E Portugal?

A agenda dos oceanos é global, mas Portugal tem também os seus interesses particulares no seu avanço. Apesar de não ser um país rico em capital financeiro ou industrial, Portugal é um dos países mais ricos da Europa em biodiversidade marinha. “Na área do capital natural azul, ou do oceano, Portugal não tem nenhum paralelo na União Europeia”, explica Pitta e Cunha.

O representante da Fundação Oceano Azul observa que interessa ao país preservar esse capital natural, que “seguramente já é, e vai ser ainda mais no futuro, o nosso grande capital de desenvolvimento socioeconómico e aquilo que vai tornar o país mais pertinente no século XXI”.

E, contudo, a pouco mais de cinco anos do cumprimento dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, sabemos já que nenhum deles será cumprido nessa data a nível global. Em Portugal, de acordo com uma auditoria do Tribunal de Contas, apenas o ODS 7, sobre energias renováveis e acessíveis, já foi atingido. Por outro lado, um dos que estão mais longe de serem cumpridos é precisamente o ODS 14, sobre protecção da vida marinha, apesar de estar entre os seis objectivos prioritários escolhidos pelo Governo.

Apesar de esforços como a grande Conferência dos Oceanos de 2022, Portugal ainda pode investir mais em projectar-se como um campeão da agenda internacional dos oceanos. Espera-se, por exemplo, que Portugal seja um dos países a ratificar ao longo do próximo ano - antes da conferência dos oceanos de Nice - o Tratado do Alto-Mar, mas até hoje não há novidades sobre o processo.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros, que se faz representar na reunião na Costa Rica pelo Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Nuno Sampaio, não respondeu ao Azul sobre os pontos principais da agenda do secretário de Estado durante a reunião, as medidas que pretendem anunciar durante esta reunião de alto nível nem se o Governo já iniciou o processo de ratificação do Tratado do Alto-Mar.

Apesar da falta de respostas, o assunto parece não estar estagnado: em Maio, teve lugar em Lisboa um seminário de capacitação para a implementação do Acordo Internacional sobre Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade Marinha em Áreas Além da Jurisdição Nacional (BBNJ) nos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), um evento co-organizado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, pelo Secretariado Executivo da CPLP e pela Fundação Oceano Azul.

Áreas marinhas protegidas

“As Áreas Marinhas Protegidas [AMP] têm que ser instituídas com carácter de urgência”, alerta Tiago Pitta e Cunha, enunciando a elaboarção de um roteiro para a criação de áreas protegidas como uma das acções mais urgentes, e para a qual já existem objectivos internacionais assumidos, mecanismos definidos e também entidades disponíveis para apoiar a sua execução. “A Fundação Oceano Azul tem sido bem-sucedida a criar áreas marinhas com os seus parceiros”, nota o jurista especializado em assuntos do mar.

Para fortalecer a investigação nesta área, a Fundação Oceano Azul tem sido uma das que advoga pela criação de um painel intergovernamental para a ciência do oceano, tendo em conta que “é preciso muito mais ciência e muito mais interface”.

Mas também a próxima COP da Biodiversidade, que acontece em Outubro deste ano em Cali, na Colômbia, será determinante para o boost necessário para passar o objectivo 30x30 para a acção.

Proteger o oceano é uma questão climática

Este esforço de protecção do oceano tem que ser feito não apenas no quadro da convenção da biodiversidade, mas também na ligação entre oceano e clima. “As cimeiras do clima não são sobre a natureza”, observa ainda, “e os governos são muito mais movidos pelas obrigações que têm na acção climática”.

As COP do Clima têm sido focadas na questão das emissões de gases com efeito de estufa - “o Acordo de Paris é sobre emissões”, reforça Pitta e Cunha -, o que se vê, por exemplo, no facto de que os membros da sociedade civil presentes nas COP são maioritariamente empresas que emitem (com foco para as indústrias de combustíveis fósseis) ou as que procuram reduzir (focadas em aspectos, por exemplo, como a reciclagem).

O oceano não é ainda um factor central nas discussões do clima”, sinaliza ainda Pitta e Cunha. “Ainda sentimos que estamos a jogar fora de casa”. A FOA foi uma das organizações que se bateu por incluir no Global Stocktake (o documento final da COP28 que fazia balanço global da acção dos países) uma frase que reconhecia que a protecção do oceano por áreas marinhas protegidas, mas esta acabou por sair nas negociações finais.

Espera-se que o momentum criado pela Conferência dos Oceanos em Nice, na qual Emmanuel Macron espera reunir 100 chefes de Estado e Governo, resulte numa ímpeto “forte o suficiente para mandar uma mensagem muito clara” para que na COP30 do Clima - que terá lugar em Belém, no Brasil, e tem recebido a alcunha de “COP da natureza” - seja finalmente reconhecido, na declaração final, da importância das áreas marinhas protegidas para combater as alterações climáticas.

Pescas

Por fim, um dos temas mais espinhosos no que toca aos oceanos é traçar o equilíbrio entre uma saudável economia azul e exploração irresponsável do oceano, incluindo práticas mais destrutivas de pesca.

“Não podemos deixar de pôr o dedo na ferida e de alguma maneira explicar que é fundamental acabar com as práticas mais destrutivas de pesca, incluindo o arrasto de fundo.” “O apelo à proibição da pesca de arrasto do fundo vai ser muito difícil de conseguir”, reconhece Pitta e Cunha, tendo em conta as negociações decorridas na Our Oceans Conference, que este ano teve lugar na Grécia, em Abril.

Mas há outras medidas, como dedicar o mar territorial (“aquelas 12 milhas a contar da linha da costa”) para a pesca artesanal, que “faz todo o sentido”, considera Pitta e Cunha. “Faz todo o sentido do ponto de vista da sustentabilidade, do ponto de vista do diálogo entre o Norte e o Sul do planeta, do apoio às comunidades costeiras, aos povos indígenas, aos pescadores de pequena escala. Esse é um debate que vai ter de vir para cima da mesa.”

E para Portugal tal não seria muito difícil, já que 90% da frota nacional se enquadra nestes parâmetros, enquanto das frotas de pesca industrial podem continuar a operar nas zonas económicas exclusivas (ZEE) portuguesa ou de outros países. Faltará muito para o país tomar a dianteira nessa luta?