Oposição sul-africana recebe com frieza proposta do ANC de Governo de unidade nacional
O ANC obteve 40% dos votos, o seu resultado mais baixo em eleições legislativas desde há 30 anos, e, pela primeira vez na sua história, precisa do apoio de outros partidos para governar.
A proposta do ANC de formar um Governo de unidade nacional para liderar a África do Sul nos próximos cinco anos foi esta sexta-feira recebida com frieza pelos possíveis parceiros e rejeitada mesmo por um dos partido mais votados.
Julius Malema, líder dos Combatentes da Liberdade Económica (EFF, na sigla em inglês), de esquerda radical, escreveu na rede social X que o quarto partido mais votado no passado dia 29 de Maio não pode "partilhar o poder com o inimigo", parecendo rejeitar nesta fase os esforços do Congresso Nacional Africano (ANC) para uma solução que lhe permita ultrapassar o revés eleitoral sofrido.
"Não se pode ditar o caminho a seguir como se se tivesse ganhado as eleições. Não estamos desesperados e estamos prontos para tudo", acrescentou Malema.
O ANC obteve 40% dos votos, o seu resultado mais baixo em eleições legislativas desde há 30 anos, com menos 17% dos votos do que há cinco anos, e, pela primeira vez na sua história, precisa do apoio de outros grupos para governar. O ANC terá apenas 159 membros na próxima Assembleia Nacional de 400 lugares, número que compara com 230 deputados no parlamento cessante.
Após uma maratona de discussões – com o EFF, com o partido nacionalista zulu Inkhata (IFP), com o principal partido da oposição, a Aliança Democrática (DA, centro liberal) e com a Aliança Patriótica (PA) anti-imigração - o Presidente, Cyril Ramaphosa, manifestou na quinta-feira a intenção de unir forças com uma ampla frente da oposição, da extrema-direita à extrema-esquerda.
O objectivo não se apresenta, porém, fácil, já que a maioria dos partidos da oposição não só diverge do ANC em relação a várias políticas como entre si.
Por exemplo, o EFF, que obteve 39 assentos parlamentares com um discurso de apoio à redistribuição de terras e à nacionalização de sectores económicos chave, como a extracção mineira, está nos antípodas da DA, que obteve 87 assentos com um conjunto de propostas liberais para a economia do país, para além de que o seu líder, John Steenhuisen, garantiu como “impossível” qualquer entendimento de governação com Malema.
O IFP, que tem 17 lugares, disse esta sexta-feira que não se opõe "em princípio" a uma coligação, porém – acrescentou - "o diabo está nos pormenores, que se tornarão mais claros nos próximos dias".
A Aliança Patriótica, com nove assentos, disse à agência France Presse que mantém uma "mente aberta".
O DA ainda não se pronunciou publicamente. Os seus dirigentes reunir-se-ão na segunda-feira para discutir a abordagem do partido às negociações.
O Partido uMkhonto weSizwe (MK), liderado pelo antigo Presidente Jacob Zuma, que abandonou o ANC, foi o último a entrar nas negociações, tendo confirmado na quinta-feira que tinha iniciado conversações com o ANC, depois de inicialmente não ter respondido ao convite do partido.
A África do Sul já teve um Governo de unidade nacional, precisamente o primeiro executivo de Nelson Mandela, que em 1994 abriu espaço para os seus inimigos políticos, o Partido Nacional, que defendia o apartheid, e o IFP, que entrou em conflito violento com os militantes do ANC no início da década de 1990.
As condições são, no entanto, profundamente diferentes. Enquanto Mandela insistiu num Governo de unidade apesar de o ANC ter ganhado por uma maioria esmagadora, com quase 63% dos votos, o ANC foi forçado à situação actual pelo seu pior desempenho eleitoral de sempre, caindo dos 57,5% que obteve nas eleições de 2019 para 40% este ano, uma queda de 17,5%.
O final do prazo constitucional para a reunião do novo Parlamento termina no próximo dia 16, ou seja, 14 dias depois do anúncio dos resultados pelo Presidente, no último domingo, dia 2.
Um dos primeiros actos do novo Parlamento é a eleição do Presidente do país, que formará então um novo Governo.
Os mercados aguardam com expectativa o resultado das negociações para conhecer a composição do próximo Governo da economia mais desenvolvida de África e as políticas económicas que irá seguir.