Como foi a infância de neandertais? Bem mais difícil do que a dos humanos modernos

Cientistas identificaram sinais de stress através da análise de 867 dentes de 176 indivíduos, tanto humanos modernos (nós próprios) como neandertais.

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Ilustração de um pai neandertal com a sua filha Tom Bjorklund/Instituto Max Planck para a Biologia Evolutiva/via Reuters
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Os primeiros anos de infância dos neandertais parecem ter sido significativamente mais difíceis que os dos humanos de anatomia moderna (Homo sapiens), o que pode explicar, em parte, por que razão a nossa espécie sobreviveu à última Idade do Gelo, enquanto nossos primos desapareceram.

A conclusão vem num novo estudo que comparou o desenvolvimento dos dentes de membros de ambas as espécies humanas, um processo que pode funcionar como registo de problemas alimentares, infecções e outras dificuldades enfrentadas pelo organismo.

No trabalho, cientistas liderados por Sireen El Zaatari, da Universidade de Tübingen (Alemanha), fizeram uma análise detalhada de problemas dentários conhecidos como “hipoplasias do esmalte”. As hipoplasias correspondem a zonas do esmalte (a camada mais externa do dente) cuja espessura fica reduzida quando há algum problema de crescimento durante a formação do dente.

Entre os percalços que podem levar às hipoplasias do esmalte estão doenças, desnutrição ou ferimentos graves durante a infância. Como, depois dessa formação inicial do esmalte, o esmalte não volta a crescer mais tarde, tais problemas podem funcionar como uma biblioteca dos stresses sofridos pelo organismo nos diversos períodos da vida infantil (já que a formação de cada dente acontece de acordo com uma sequência mais ou menos estabelecida ao longo das diferentes idades).

O padrão dentário criado pelas hipoplasias já foi usado antes várias vezes para estudar populações da Idade da Pedra, inclusivamente comparando seres humanos anatomicamente modernos e neandertais. Mas os resultados obtidos até hoje eram contraditórios, em parte por causa do uso de metodologias muito diferentes, afirmam El Zaatari e os seus colegas num artigo publicado na revista Scientific Reports.

Para tentar contornar esse problema, a equipa liderada pela cientista decidiu incluir todos os tipos possíveis de hipoplasia na sua análise, bem como todos os tipos de dentes (incisivos, caninos, molares, etc.), formados em diferentes fases do desenvolvimento.

A amostragem incluiu 867 dentes de 176 indivíduos, com um número semelhante de defeitos dentários em humanos modernos e neandertais. Os dentes foram encontrados em sítios arqueológicos que abrangem tanto a Europa Ocidental (Espanha, França) como o Oriente Médio e países do Leste europeu. Além das hipoplasias em cada dente vistas isoladamente, os cientistas também tentaram mapear o padrão de defeitos dentários na dentição de uma mesma pessoa ao longo do desenvolvimento dela.

O debate

Feitas as contas da análise, os cientistas chegaram a duas conclusões importantes. Primeiro, quando todos os casos de hipoplasia são considerados em conjunto, a incidência “bruta” do problema em ambas as espécies é mais ou menos a mesma, o que, à primeira vista, sugeriria níveis similares de stress sobre o organismo de humanos modernos e neandertais durante a formação dentária.

Mas, analisando os dados com mais detalhes, a equipa notou uma diferença intrigante. Os problemas na formação do esmalte de crianças Homo sapiens concentravam-se na fase do desmame, período reconhecidamente difícil para a nutrição dos pequenos em populações que não têm acesso a facilidades como papas industrializadas ou leite obtido de animais domésticos. Depois desses problemas iniciais, porém, a incidência de hipoplasias caía bastante.

No caso dos neandertais, porém, os sinais de stress também estavam associados ao desmame, mas continuavam ao longo de anos depois da conclusão desse processo, sugerindo que a infância dos Homo neanderthalensis podia ser consideravelmente mais difícil do que a dos membros da nossa espécie.

Isso, claro, se as conclusões estiverem correctas. O debate sobre o suposto “calcanhar de Aquiles” dos neandertais, responsável pelo seu desaparecimento após a chegada dos Homo sapiens à Europa e à Ásia, estende-se há décadas, e existem cada vez menos razões para achar que havia um grande abismo entre as duas espécies. Para começo de conversa, já está claro que houve vários episódios de miscigenação entre neandertais e Homo sapiens, legando genes neandertais à maior parte das pessoas vivas hoje.

Ligeiras diferenças na capacidade de nutrir as crianças e permitir que elas se tornassem adultos saudáveis e com boa capacidade reprodutiva talvez pudessem ser um motivo subtil o suficiente, e ainda assim com impacto, para explicar o êxito relativamente maior dos humanos de anatomia moderna, mas o debate ainda deve prosseguir por bastante tempo.

Exclusivo PÚBLICO/Folha de S. Paulo

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