Extrema-direita torna a direita negacionista do ambiente? Em Espanha foi o inverso

O discurso que faz da ecologia sinónimo de comunismo, que pode ser pronunciado pelo Vox espanhol para negar a urgência das crises ambientais, começou com o Partido Popular.

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José Maria Aznar com uma caricatura que lhe foi oferecida quando era primeiro-ministro FRANCK FIFE/EPA
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De Espanha vem uma forte candidata a ser a próxima comissária europeia responsável pelo Pacto Ecológico, Teresa Ribera, a até agora ministra da Transição Ecológica e cabeça de lista dos socialistas nas eleições europeias. Mas o caso espanhol oferece também um bom exemplo de uma contaminação cruzada entre a direita tradicional e a extrema-direita no discurso sobre o ambiente, tingindo-o de matizes “negacionistas, antielitistas e conspirativos”, como mostra um estudo recentemente publicado.

“O ex-presidente do Partido Popular, de centro-direita, José Maria Aznar [presidente do Governo espanhol entre 1996 e 2004], costumava definir ecologia como o ‘novo comunismo’. O Vox, na extrema-direita, desenvolveu esta narrativa”, disse ao PÚBLICO, por e-mail, Camil Ungureanu. Assina, juntamente com Marc Sanjaume-Calvet, ambos da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, um artigo na revista Party Politics, publicado em Abril, sobre as “linhas indistintas” entre a extrema-direita e o centro-direita em Espanha relativamente ao ambiente.

“O discurso mudou com o passar do tempo. De uma versão ainda ligada ao franquismo (conservacionista, romântica e, na prática, desenvolvimentista) passou-se para uma mais adaptativa, baseada no neoliberalismo”, explicou, por sua vez, Marc Sanjaume-Calvet, também por e-mail. Quando fala em adaptação, Sanjaume-Calvet quer dizer que se trata de uma posição em que “não há contradição entre ecologia e capitalismo, mas sim sinergias”, precisa.

“A ecologia que se opõe a esta visão adaptativa aparece como um inimigo do mercado e da prosperidade (juntamente com o ‘comunismo’)”, explica o cientista político espanhol. “A narrativa de Aznar modernizou este discurso e o Vox recuperou-o”, conclui.

As sondagens em Espanha indicam que o Partido Popular (PP) está em primeiro lugar nas intenções de voto nas eleições europeias, com o PSOE (socialistas) em segundo. O Vox está em terceiro, com 10,7%. Isto traduzido em assentos parlamentares significa que o PP pode passar dos actuais 12 eurodeputados para 23, ou seja, duplicar a sua representação no Parlamento Europeu. O PSOE manterá os 20 que já tem, enquanto o Vox poderá duplicar os eleitos, passando dos actuais três para seis.

Jorge Buxadé, o cabeça de lista do Vox para o Parlamento Europeu, prometeu empenhar-se para pôr o Pacto Ecológico no lixo. “No dia 10 de Junho, derrogaremos o Pacto Verde. Vamos agarrar nesses milhares de papéis, faremos uma grande bola e vamos convertê-la em papel reciclado para escrever as melhores páginas da nossa história”, afirmou.

O ambiente não é a questão mais premente das eleições em Espanha. Mas sente-se que há uma reacção de recuo por causa dos passos dados nestes últimos anos na política ambiental, capitaneada pelo Pacto Ecológico europeu. “Sim, claramente. Seja na forma adaptativa de greenwashing e de mitigação de efeitos (tecno-optimismo) ou directamente na forma de atacar a agenda ecológica por ser inimiga da liberdade individual e aliada do comunismo”, conta Marc Sanjaume-Calvet.

Ecologia nacionalista

Os dois investigadores sublinham que houve uma “narrativa econacionalista” desenvolvida em Espanha pelo centro-direita (PP), que foi depois “adoptada, novamente articulada e desenvolvida” pelo Vox. “A vaga econacionalista recente pode ser definida como uma forma de nacionalismo que exclui as soluções globais, mercantiliza os recursos próprios e nega que haja desafios ecológicos além das fronteiras nacionais. Apresentam-se como os únicos capazes de ‘proteger’ a ecologia nacional”, explica Marc Sanjaume-Calvet.

As conclusões de Sanjaume-Calvet e Ungureanu põem em causa a "tese da contaminação", que diz que o surgimento de partidos de extrema-direita tem contaminado o discurso do centro-direita em temas como a imigração, refugiados, islão, ou outros assuntos — como o ambiente e o clima. Pelo contrário, relativamente à ecologia, em Espanha houve um mecanismo de “contaminação inversa”, em que as posições do PP foram desenvolvidas pelo Vox. “Este mecanismo pode alargar-se a diferentes países e regiões europeias”, escrevem.

Este estudo pede-nos para analisar o discurso político para além das ideias feitas. Compreender que políticos como Isabel Díaz-Ayuso, uma destacada líder do PP, continua a usar hoje em dia “humor trocista, negacionismo populista descarado e tons conspirativos, ao estilo de Donald Trump, para desprezar a crise ambiental”, como salientam os investigadores no artigo.

“As diferenças entre o centro-direita e a extrema-direita tornaram-se indistintas: isto é uma ameaça real para a democracia. Se o centro entra em colapso – e já entrou em grandes democracias como os Estados Unidos, ou a Índia —, a democracia está em apuros”, afirmou Camil Ungureanu.