“Estamos a jogar à roleta-russa com o nosso planeta.” Esta década será decisiva

Dados mostram que há 12 meses seguidos que se registam recordes de temperatura: o mês passado foi o Maio mais quente desde que há registos. “Estamos a jogar à roleta-russa”, diz António Guterres.

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O mês de Maio de 2024 foi o mais quente de que há registo a nível mundial, segundo dados do serviço europeu Copérnico Getty Images
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Há uma probabilidade de 80% de que a temperatura média anual global exceda, de forma transitória, o limite dos 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais durante pelo menos um dos próximos cinco anos, revela um relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgado nesta quarta-feira. Neste mesmo dia, foi divulgado que há 12 meses consecutivos se registam recordes de temperatura mensais a nível global, com a nova informação de que o mês passado foi o Maio mais quente desde que há registos.

“Estamos a jogar à roleta-russa com o nosso planeta. Precisamos de uma rampa de saída da auto-estrada para o inferno climático. Mas a boa notícia é que temos o controlo do volante. A batalha para limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus será ganha ou perdida na década de 2020”, afirmou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, nesta quarta-feira, Dia do Ambiente, num evento intitulado Um Momento de Verdade: Discurso Especial sobre a Acção Climática​.

António Guterres falava no Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque, num discurso sobre as medidas urgentes que as empresas e os líderes políticos – em especial o G7 e o G20 – têm de pôr em prática para garantir um futuro habitável na Terra. Uma das sugestões foi, por exemplo, encorajar os países a banirem publicidade associada às empresas de combustíveis fósseis, uma vez que elas são “as madrinhas do caos climático”. A cimeira do G7 decorrerá em Itália de 13 a 15 de Junho.

O relatório da OMM constitui “um aviso claro” de que a humanidade está cada vez mais próxima dos limites determinados em 2015 pelo Acordo de Paris. Nesse tratado internacional sobre as alterações climáticas, 195 países signatários concordavam em envidar esforços, ao longo das décadas subsequentes, para limitar a subida da temperatura média global a 1,5 graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais.

“A OMM está a fazer soar o alarme de que iremos ultrapassar o nível de 1,5 graus Celsius numa base temporária e com uma frequência crescente. Já ultrapassámos temporariamente este nível em meses individuais – e, de facto, na média do período de 12 meses mais recentes”, afirmou a secretária-geral adjunta da OMM, Ko Barrett, citada num comunicado da agência das Nações Unidas para a meteorologia.

Ko Barret frisa que não se deve confundir uma ultrapassagem temporária do limite de 1,5 graus Celsius com a derrocada do Acordo de Paris. “É importante sublinhar que as violações temporárias não significam que o objectivo de 1,5 graus Celsius esteja permanentemente perdido, uma vez que se refere ao aquecimento a longo prazo, ao longo de décadas”, esclarece a responsável da OMM.

A OMM prevê ainda que a temperatura média global à superfície da Terra, para cada ano do período compreendido entre 2024 e 2028, seja entre 1,1 e 1,9 graus Celsius mais elevada do que a temperatura do período de referência pré-industrial (1850-1900) – ou seja, quando ainda não havia emissões significativas resultantes da queima desenfreada de combustíveis fósseis.

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O relatório da OMM, que se baseia em dados do Met Office do Reino Unido, sugere ainda que é bastante provável (86%) que pelo menos um destes cinco anos vindouros bata um recorde de temperatura. Se isto se confirmar, o novo recorde destronará 2023, que é hoje o ano mais quente desde que há registo.

A subida de um grau até pode soar algo irrelevante – no botão dos aquecedores, por exemplo, este aumento equivale a um simples tracinho. Para os sistemas climáticos, contudo, que funcionam de forma complexa, esta aparente pequena mudança pode aumentar a intensidade e a frequência de fenómenos extremos. É o caso de ondas de calor, inundações, ciclones ou episódios de seca hidrológica, por exemplo.

A probabilidade de pelo menos um dos próximos cinco anos exceder 1,5 graus Celsius tem aumentado constantemente desde 2015 – ano em que o Acordo de Paris foi assinado, e quando essa mesma probabilidade era quase nula. O documento da OMM indica que, para os anos entre 2017 e 2021, a hipótese de ultrapassar o “tecto de vidro” dos 1,5 graus era de 20%. Já entre 2023 e 2027 esse valor subia para 66%.

O Maio mais quente de que há registo

Dados do Serviço Copérnico para as Alterações Climáticas (C3S, na sigla em inglês), também divulgados nesta quarta-feira, revelam que Maio de 2024 foi o mais quente de que há registo a nível mundial, com uma temperatura média global do ar à superfície 0,65 graus Celsius acima da média referente ao período 1991-2020.

A temperatura média global para Maio de 2024 foi 1,52 graus Celsius acima da média pré-industrial de 1850-1900, assinalando o 11.º mês consecutivo (desde Julho de 2023) em que a temperatura foi igual ou superior a 1,5 graus Celsius, refere ainda uma nota do Copérnico.

Maio é, portanto, segundo aquele serviço do Copérnico – o programa europeu de observação da Terra –, o 12.º mês consecutivo em que a temperatura média global atinge um valor recorde para o mês correspondente. Por outras palavras, estamos há um ano a bater recordes perigosos.

“Durante o ano passado, cada mudança no calendário fez aumentar o calor. O nosso planeta está a tentar dizer-nos alguma coisa, mas parece que não estamos a ouvir. Estamos a bater recordes de temperatura global e a colher as tempestades. É a hora do aperto climático. Chegou o momento de nos mobilizarmos, de agirmos e de apresentarmos resultados”, exortou António Guterres em Nova Iorque.

“Estamos a viver tempos sem precedentes, mas também dispomos de competências sem precedentes na monitorização do clima, o que pode ajudar a condicionar as nossas acções”, afirma Carlo Buontempo, director do C3S, citado numa nota de imprensa do Copérnico.

A mensagem de Carlo Buontempo alerta, por um lado, para a gravidade da situação e, por outro, para a competência da humanidade para responder a estas ameaças – se for capaz de agir.

“Esta série de meses mais quentes será recordada como comparativamente fria, mas se conseguirmos estabilizar as concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera num futuro muito próximo, poderemos regressar a estas temperaturas ‘frias’ até ao final do século”, assegura o director do C3S.

Na Índia, durante o mês de Maio, as ondas de calor estiveram associadas à morte de mais de 50 pessoas e a quase 25.000 casos de insolação. Em Deli, a capital indiana, as temperaturas chegaram aos 50 graus Celsius. As temperaturas elevadas no México em Maio fizeram com que macacos caíssem mortos das árvores nas florestas tropicais do Sudeste do país.

Já no Brasil, no mesmo mês, fortes chuvas deixaram submerso o Rio Grande do Sul. Especialistas do grupo World Weather Attribution concluíram que foram as alterações climáticas que tornaram estas cheias duas vezes mais prováveis.

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Cheias devastaram diferentes cidades do Rio Grande do Sul, no Brasil, em Maio de 2024 REUTERS/Amanda Perobelli

Além dos fenómenos climáticos extremos, que causam enorme sofrimento humano e perdas económicas, a crise climática tem uma acção mais silenciosa, mas igualmente devastadora, nas zonas polares e nos ecossistemas marinhos. A subida da temperatura média global está associada à redução das camadas de gelo e dos glaciares, à aceleração da subida do nível do mar e, por fim, ao sobreaquecimento do oceano.

Considerando os 12 registos mensais do C3S, a temperatura média global dos últimos 12 meses – ou seja, de Junho de 2023 a Maio de 2024 – figura igualmente como a mais alta desde que há registo. A série de dados ERA5 do Copérnico estima que, no referido período, estejamos 1,63 graus Celsius acima da média pré-industrial.

“É chocante, mas não surpreendente, que tenhamos atingido esta série de 12 meses. Embora esta sequência de meses recordes acabe por ser interrompida, a assinatura global das alterações climáticas mantém-se e não há sinais à vista de uma alteração desta tendência”, alerta Carlo Buontempo.