O alarme está a soar: é hora de cuidar dos solos, restaurar ecossistemas e preparar para a seca

O Dia Mundial do Ambiente é dedicado este ano aos solos e à escassez de água. Em Portugal, o Governo apostou as cartas do dia nas matérias de gestão hídrica, mas pouco no restauro dos solos.

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O Alentejo é uma das regiões de Portugal mais afectadas pela seca Rui Gaudêncio
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Quase metade (40%) das terras do mundo está em estado de degradação, 3,2 mil milhões de pessoas sofrem com a desertificação e três quartos da população devem ser afectados por secas até 2050. São os dados do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) que justificam que este ano o Dia Mundial do Ambiente seja dedicado a temas que também tocam particularmente o território português: a recuperação do solo, o combate à desertificação e a resiliência à seca.

Em Portugal, a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, dedicou o Dia do Ambiente ao Algarve, onde teve na agenda a inauguração de uma ETAR em Lagos, uma reunião com autarcas sobre a protecção do litoral em Faro e ainda a conferência sobre “Resiliência Hídrica no Algarve – o nosso propósito comum”, organizada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e pela AMAL Comunidade Intermunicipal da região no âmbito da Semana Verde da União Europeia.

De acordo com uma nota do gabinete de Graça Carvalho, a ministra pretende transmitir “três mensagens muito claras” nesta conferência. Antes de mais, que a revogação das medidas restritivas do anterior Governo, criticada por algumas associações ambientalistas, resulta de “muita ponderação e cautela”. Além disso, a ministra considera que é “necessário acelerar os investimentos previstos (cerca 260 milhões de euros) e os que foram, entretanto, anunciados pelo primeiro-ministro (na ordem dos 103 milhões de euros)”. Por fim, o ministério de Graça Carvalho garante que “as medidas de alívio serão reavaliadas e monitorizadas permanentemente”.

O foco de Graça Carvalho, contudo, é “a poupança, o combate ao desperdício e a reutilização de água” em nenhum momento o comunicado menciona as questões ambientais ou climáticas nem alerta para a adaptação do território que é preciso levar a cabo de forma proactiva.

Já a APA, que organiza a conferência, sublinha que a seca na região do Algarve “assume hoje um carácter estrutural” e nota a “tendência a agravar-se devido ao efeito das alterações climáticas”. É necessário, defende a agência do Ambiente, “uma mudança de paradigma na utilização dos recursos hídricos”, sendo preciso “repensar e encontrar novos caminhos em estreita coordenação entre a administração, os utilizadores e a comunidade científica”.

“Nossa Terra, Nosso Futuro”

O Dia Mundial do Ambiente foi criado pela Assembleia Geral das Nações Unidas para assinalar a Conferência de Estocolmo de 1972, cujo tema central foi o ambiente, e foi celebrado pela primeira vez no ano seguinte.

Em 2024, sob as palavras de ordem “Nossa Terra, Nosso Futuro”, a comemoração oficial do Dia Mundial do Ambiente no âmbito das Nações Unidas é organizada pela Arábia Saudita, país que acolhe a próxima conferência das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação (COP16), organizada pela Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD).

O objectivo é alertar para a forma como é possível acabar com a degradação dos solos e recuperar as paisagens degradadas. Tal pode ser feito, segundo as Nações Unidas, tornando a agricultura sustentável e regenerativa, redireccionando, por exemplo, subsídios agrícolas para práticas sustentáveis e preservando ecossistemas.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), o restauro dessas terras aumenta o armazenamento de carbono e retarda as alterações climáticas. Restaurar apenas 15% poderia evitar, estima a organização, até 60% das extinções de espécies ameaçadas. O restauro de terras é, aliás, um pilar fundamental da Década das Nações Unidas para a Restauração dos Ecossistemas (2021-2030), fundamental para alcançar os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável.

Salvar o solo, a origem de 95% dos alimentos, é outra solução, que passa por apoios a uma agricultura biológica. E outra é proteger os polinizadores, já que três em cada quatro culturas que produzem frutos e sementes dependem deles. Reduzir a poluição atmosférica e minimizar impacto de pesticidas e fertilizantes é também fundamental.

Nas sugestões da ONU está também o restauro dos ecossistemas de água doce, a renovação das zonas costeiras e marinhas e levar a natureza de volta às cidades, que consomem 75% dos recursos do planeta, produzem mais de metade dos resíduos globais e geram 60% dos gases com efeito de estufa.

No último relatório do PNUA sobre o ambiente, divulgado em Fevereiro, Inger Andersen, directora executiva da organização, admitia que estavam a ser feitos progressos mas que a grande tarefa mundial é acelerar esses progressos na luta contra a tripla crise planetária: alterações climáticas, perda de biodiversidade e ainda a poluição e resíduos.

Geração Restauração

Uma das mensagens do PNUA é a de que “somos a Geração Restauração”. “Não podemos voltar no tempo, mas podemos cultivar florestas, recolher água da chuva, adoptar dietas que respeitem o solo e combater as alterações climáticas. Somos a geração que pode fazer as pazes com a terra”, lê-se nos materiais da campanha #GenerationRestoration.

Também o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, instou os países a cumprirem compromissos de recuperação de ecossistemas e terrenos degradados, e a agirem para travar e inverter a desflorestação até 2030.

“Temos de aumentar drasticamente o financiamento para apoiar os países em desenvolvimento a adaptarem-se às condições climáticas violentas, protegerem a natureza e apoiarem o desenvolvimento sustentável”, afirmou Guterres numa mensagem sobre o Dia Mundial do Ambiente.

António Guterres começa por dizer que a humanidade depende dos solos mas, no entanto, em todo o mundo, “um cocktail tóxico de poluição, caos climático e dizimação da biodiversidade está a transformar terras saudáveis em desertos e ecossistemas prósperos em zonas mortas”.

Com as colheitas a falhar, as fontes de água a desaparecerem, as economias enfraquecidas e comunidades em perigo, a população do planeta está presa “num ciclo mortal” e é hora de se libertar, avisa António Guterres.

Afirmando que a “inacção é demasiado dispendiosa” e que cada dólar investido na recuperação de ecossistemas gera até trinta dólares em benefícios económicos, António Guterres conclui: “Nós somos a ‘Geração Restauração’. Juntos, vamos construir um futuro sustentável para a terra e para a humanidade.”