Novo presidente do Supremo quer que juízes abandonem linguagem barroca

Com 67 anos, Cura Mariano reivindica rejuvenescimento dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça, instância que na sua opinião deve passar a dedicar-se apenas à uniformização da jurisprudência.

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Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, João Cura Mariano NFS Nuno Ferreira Santos
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O novo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, João Cura Mariano, criticou esta terça-feira no seu discurso de tomada de posse a linguagem “barroca” usada pelos juízes nas suas decisões. E instou os magistrados a expressarem-se de forma que a generalidade dos cidadãos os percebam. “É necessário que as decisões dos tribunais sejam redigidas de uma forma clara, e que as mesmas, sempre que tenham ou devam ter repercussão pública, sejam comunicadas de modo que a generalidade dos cidadãos as entendam. Não se espere credibilidade sem transparência. Temos que abandonar o estilo barroco das nossas decisões, a que nos conduziu uma cultura judiciária pretensiosa, sem quebra do rigor jurídico”, declarou o conselheiro, que chega ao cargo aos 67 anos, razão pela qual não poderá cumprir o mandato de cinco anos até ao fim, uma vez que em Maio de 2027 completa 70 anos.

Cura Mariano também se pronunciou, aliás, sobre a idade demasiado avançada a que os juízes chegam a este tribunal superior, fruto de problemas relacionados com a lenta progressão desta classe na carreira. “Corremos o risco previsível de o Supremo Tribunal de Justiça ser um tribunal onde quem a ele ascende vem apenas entregar o seu pedido de jubilação, com o inevitável prejuízo para a qualidade e a coerência da jurisprudência”, observou, defendendo uma alteração legislativa às regras de acesso a esta instância que permita um rejuvenescimento do quadro de conselheiros e, portanto, maior permanência no exercício de funções.

Supremo deixar de ser instância de recurso

Mas o novo presidente não ficou por aqui e propôs também uma transformação não isenta de polémica: deseja que o Supremo deixe de funcionar como uma instância de recurso normal, passando a limitar a sua acção “à relevantíssima tarefa de uniformização da jurisprudência”, emitindo a última palavra nos casos em que a decisão se revista de um excepcional relevo jurídico ou social. Os conselheiros teriam assim de se pronunciar sobre um número mais reduzido de casos nos quais os tribunais de primeira e segunda instância tivessem proferido sentenças contraditórias entre si, e apenas desde que as questões de fundo nesses casos fossem consideradas suficientemente relevantes.

A ideia desagrada à bastonária dos advogados, Fernanda Almeida Pinheiro, que também esteve na cerimónia. "O problema que o presidente do Supremo quer solucionar resolve-se com mais meios. Não me agrada a retirada ao cidadão das garantias de defesa", comentou, recordando que já só chegam a esta instância os casos em que tenha sido aplicada uma pena superior a oito anos de cadeia ou em que estejam em causa valores superiores a 30 mil euros. O que agradou à bastonária foi a preocupação manifestada por Cura Mariano relativamente à falta de interesse dos licenciados nesta carreira.

“A opção pela magistratura deixou de ser uma escolha profissional desejada, em geral, e sobretudo pelos estudantes que terminam os seus estudos académicos com boas classificações. Chegou-se ao ponto de ruptura de as poucas vagas colocadas em concurso não serem preenchidas por não existirem candidatos com as condições mínimas para ingressarem na magistratura”, lamentou o novo presidente do Supremo, criticando não só a reduzida atractividade da carreira por falta de condições do seu exercício como, sobretudo, o “anacronismo" do regime legal do concurso que permite a entrada na magistratura.

Para Cura Mariano, as reformas na justiça têm sido deliberadamente evitadas. E, ainda que não se lhe afigure necessária uma reforma estrutural do poder judicial ou das relações de equilíbrio que este mantém com os restantes poderes do Estado, é urgente tomar medidas pontuais e sectoriais que permitam que o sistema judicial responda eficaz e atempadamente às novas exigências e desafios.

Juiz de carreira, o 40.º presidente do Supremo foi eleito, em 2007, para o Tribunal Constitucional, por indicação do grupo parlamentar do PSD, um cargo que ocupou até 2016. Nascido em Coimbra, licenciou-se na Faculdade de Direito dessa cidade. Mais tarde, fez o mestrado na Universidade Católica Portuguesa.

Está na magistratura há 40 anos, tendo sido colocado numa secção cível do Supremo em Novembro de 2020. Antes, em 2016, tinha sido nomeado pelo Conselho Superior do Ministério Público membro do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República. Na primeira instância, começou em Coimbra, seguindo sucessivamente para a Guarda, Marinha Grande, Lisboa e Cascais. Nessa altura, deu aulas de Direito Civil no Centro de Estudos Judiciários, a escola da magistratura. ​Em 2005, subiu ao Tribunal da Relação de Coimbra e, no ano seguinte, passa para o do Porto. É ainda professor convidado na Faculdade de Direito da Universidade Nova.

Na carta de intenções com que concorreu a este cargo, sugeria um "diálogo intenso e construtivo com os demais órgãos de soberania", propondo-se "apresentar propostas e colaborar na procura das melhores soluções​".

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