Governo quer academia a estudar impacto dos migrantes na sustentabilidade do SNS

Ministra da Saúde reconheceu que “o mais difícil e complexo” será conseguir que os profissionais de saúde queiram ficar no SNS e defendeu uma “mudança na organização do trabalho das equipas”.

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Ministra Ana Paula Martins explicou que trabalho servirá para planear o sistema para "uma vaga de migrantes" que não se esperava Daniel Rocha
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O Governo vai convidar as universidades a estudarem o impacto dos migrantes na sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde, anunciou esta terça-feira a ministra da Saúde.

Na abertura da Conferência Sustentabilidade em Saúde, que decorre no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, Ana Paula Martins explicou que esse trabalho servirá para planear o sistema para "uma vaga de migrantes" que não se esperava.

Na conferência, em que será apresentado o Índice de Saúde Sustentável, elaborado pela Nova IMS, a ministra reconheceu que "o mais difícil e complexo" será conseguir que os profissionais de saúde queiram ficar no SNS e defendeu uma "mudança na organização do trabalho das equipas".

Disse que o SNS precisa de mudar, uma mudança que se deve fazer de forma "inteligente e participativa".

"Só seremos sustentáveis se sobrevivermos", disse Ana Paula Martins.

Na mesma sessão, Adalberto Campos Fernandes, que foi ministro da Saúde no governo de António Costa, defendeu um compromisso político alargado na área da saúde, lembrando que o país tem de se preparar para uma "mudança demográfica impressionante" com "mais de 10% dos residentes não nacionais".

"As pessoas estão a chegar aos serviços de saúde em situações muito difíceis", disse.

Médicos a trabalhar por empresas unipessoais

Eurico Castro Alves, que coordenou a equipa que fez o Plano de Emergência da Saúde apresentado na semana passada pelo Governo, defendeu na mesma ocasião mudanças na regulamentação para dar maior flexibilidade à organização do trabalho na área da Saúde.

"Cada vez mais há profissionais de Saúde que não querem trabalhar nos mesmos sítios as mesmas horas", disse.

O médico defende esta terça-feira, num artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias, a dupla contratação, terminando a "situação indigna e ridícula da taxação em 50% das horas extraordinárias".

"Casos há, em que um profissional de saúde termina o seu horário de trabalho e não se sente motivado para fazer horas extraordinárias no seu próprio hospital, porque sabe que se trabalhar seis horas, apenas lhe serão remuneradas três. Porque não permitir que permaneça a trabalhar no seu hospital através da sua empresa unipessoal? Porque não permitir que depois de um certo número de horas a taxação seja reduzida de 50% para 20%?", questiona.

Sustentabilidade no nível mais baixo

A sustentabilidade do SNS atingiu o nível mais baixo da última década, uma queda explicada pelo aumento da despesa, que não foi acompanhada por igual aumento da actividade, segundo o estudo Índice de Saúde Sustentável, desenvolvido pela NOVA Information Management School (NOVA-IMS).

O estudo indica que o valor (84,8 pontos) sofreu no ano passado a maior queda (menos sete pontos), com excepção do ano 2020, em que a sustentabilidade se ficou nos 83,9 pontos. No entanto, sem o efeito da pandemia, poderia ter alcançado o valor mais alto de sempre (103,6 pontos).

Em declarações à Lusa, o coordenador do estudo, Pedro Simões Coelho, lembrou que este valor "tem vindo a baixar sistematicamente", o que significa que, "ao longo destes anos, tem custado mais tratar um doente no SNS [Serviço Nacional de Saúde]".

"Quando nós dizemos que a nossa visão do SNS sustentável é um SNS que é produtivo, isto é, que consegue desenvolver a sua actividade com um custo razoável, que oferece serviços de qualidade e que tem acessibilidade, permitindo dar resposta às necessidades dos cidadãos, temos três vectores a contribuir para a sustentabilidade: a produtividade (...), a qualidade e a acessibilidade", explicou.

Os dados justificam a queda na sustentabilidade do SNS com o aumento da despesa (7%), que não foi acompanhado por igual aumento da actividade (1,3%), resultando globalmente numa queda da produtividade.

A produtividade tem vindo a cair ao longo dos anos, registando em 2023 o valor mais baixo da última década.

A "acessibilidade técnica e percepcionada", que avalia o acesso aos cuidados de saúde, também caíram em relação ao ano de 2022, o que é considerado "uma das maiores fragilidades do SNS".

"O SNS (...) não consegue dar resposta à procura no tempo que devia e não consegue fazer crescer a sua actividade ao ritmo a que está a crescer a despesa", lembra o coordenador do estudo, que ressalva que o contexto actual é de uma população "muito mais envelhecida e com uma esperança de vida maior, com muito menos mortalidade numa série de doenças".

"Isto faz com que existam muito mais doentes crónicos, que são caros, e por isso é normal que um SNS que foi desenhado num contexto social completamente diferente, sem alterações organizativas, tenha dificuldade em dar resposta à dinâmica demográfica da sociedade actual", concluiu.

Os dados indicam que a acessibilidade técnica caiu 1,9 pontos, apresentando um dos valores mais baixos do índice. Este item considera valores como as primeiras consultas em tempo adequado, inscritos em lista espera, episódios de urgência atendidos em tempo previsto e utilização da capacidade disponível de hospitalização domiciliária.

"A fotografia é inevitável: se caiu a produtividade, se a qualidade está estabilizada e se a acessibilidade teve também uma tendência de descida, era inevitável que o índice de sustentabilidade caísse de forma significativa", concluiu Pedro Simões Coelho.

Olhando para as restantes dimensões que compõem o índice de sustentabilidade, na óptica dos utentes, a qualidade percepcionada relativamente aos serviços (72,4 pontos) é superior ao acesso (64,3 pontos).

Já a qualidade técnica, que em anos anteriores tinha registado uma evolução positiva, caiu para 66,5 pontos.

Como ponto positivo aparece a redução de 23% da dívida vencida, mantendo a tendência de anos anteriores. Os dados recolhidos registam ainda um decréscimo do défice (-59%).

"O stock da dívida vencida tem vindo a diminuir ao longo dos últimos anos e isso é muito importante. Aliás, se não fosse esse facto, a queda do índice ainda era mais significativa", disse Simões Coelho.

Na óptica do utente, a eficácia do SNS tem impacto no seu estado de saúde (79,3 pontos) e na qualidade de vida (78,8 pontos). Contudo, os utentes consideram a eficácia dos medicamentos superior à dos cuidados de saúde recebidos.

Retorno de 6,6 mil milhões de euros

O mesmo estudo revela que o investimento no Serviço Nacional de Saúde em 2023 permitiu um retorno de 6,6 mil milhões de euros, um valor inferior em 1,2 mil milhões de euros ao atingido no ano anterior.

Segundo os dados do Índice de Saúde Sustentável, quase metade dos portugueses (48%) faltou pelo menos um dia ao trabalho em 2023 por motivos de saúde e 6% faltaram mais de 20 dias. Contudo, a prestação de cuidados de saúde pelo SNS permitiu evitar uma ausência laboral de dois dias, representando uma poupança de mil milhões de euros.

Os cuidados prestados no SNS permitiram ainda evitar 7,1 dias de trabalho perdidos em produtividade, resultando numa poupança de 3,4 mil milhões de euros.

No total, somando o impacto no absentismo e na produtividade, o SNS permitiu uma poupança global de 4,4 mil milhões de euros por via dos salários.