Crânio antigo mostra que os egípcios tentaram remover cancro há 4500 anos

A equipa de cientistas quer agora estudar a genética dos cancros antigos a nível molecular para responder a questões sobre a forma como as doenças oncológicas podem ter mudado ao longo dos tempos.

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O crânio 236 e a mandíbula de um homem com 30 a 35 anos, que viveu entre os anos 2687 e 2345 antes de Cristo Tondini, Isidro, Camarós, 2024
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Edgard Camarós e a sua equipa estavam a olhar para um ecrã ligado a uma potente câmara apontada a um crânio egípcio de há cerca de 4500 anos. O que viram alterou a cronologia anteriormente conhecida de quando os humanos terão tentado tratar o cancro.

A imagem no ecrã era conclusiva, disse o cientista – “era evidente que estávamos perante um marco na história da medicina” –, mas ninguém falou durante alguns segundos. “Foi um daqueles momentos ‘​eureka’​”, disse ao jornal The Washington Post.

Edgard Camarós, professor de arqueologia na Universidade de Santiago de Compostela, em Espanha, e a sua equipa afirmam ter encontrado provas que fazem avançar em mil anos a nossa compreensão da época em que os humanos tentaram tratar o cancro. Edgard Camarós e a sua equipa publicaram um artigo na revista Frontiers in Medicine, descrevendo como encontraram marcas que indicam que os médicos antigos estavam a tentar remover o cancro de um crânio.

O cancro foi a segunda principal causa de morte em 2022 nos Estados Unidos, de acordo com os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças, com 608 mil mortes. [Tanto em Portugal como a nível europeu, as doenças oncológicas são também a segunda maior causa de morte a seguir às doenças cardiovasculares, segundo um relatório de 2023.]

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Crânio de uma mulher com mais de 50 anos, que viveu entre os anos 663 e 343 antes de Cristo Tondini, Isidro, Camarós, 2024

Qualquer forma de vida multicelular está sujeita ao risco de cancro, explicou Edgard Camarós. Até os dinossauros eram propensos ao cancro.

Se compreendermos como o cancro evolui, poderemos compreender-nos a nós próprios”, referiu. E se os investigadores conseguirem descobrir como é que certos tipos de cancros mudaram ou desapareceram, talvez consigam lidar melhor com as formas actuais da doença.

Para Edgard Camarós, a oncologia não se resume aos últimos 20 anos de inovação bem-sucedida, mas a milhares de anos alvo de curiosidade científica e de tentativa de compreender a doença para melhorar a vida humana. E esta descoberta do crânio faz avançar tudo um pouco, considera. “É como testemunhar o ponto de partida de algo”, disse.

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Várias das lesões de metástases no crânio 236 apresentam marcas de cortes Tondini, Isidro, Camarós, 2024

A equipa de cientistas estava a estudar o crânio para ter uma melhor noção do cancro na Antiguidade quando se deparou com uma marca de corte de um objecto metálico perto do local onde se encontrava um tumor. Isto significa que, há cerca de 4500 anos, os antigos médicos estavam a tentar tratar o cancro ou a fazer uma autópsia médica, o que é uma novidade para os historiadores.

O crânio, n.º 236, encontrava-se há anos na Colecção Duckworth da Universidade de Cambridge (Reino Unido), depois de ter sido encontrado em Gizé, no Egipto, no século XX. O crânio foi estudado pela última vez na década de 1960, quando um professor confirmou que tinha tido cancro, o que Edgard Camarós disse ser uma descoberta avançada na altura. [Os cientistas examinaram ainda um segundo crânio dessa colecção, que era de uma mulher com mais de 50 anos.]

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Marcas de cortes encontradas no crânio 236 Tondini, Isidro, Camarós, 2024

Mas a tecnologia mudou muito em seis décadas. Edgard Camarós, que disse ter uma paixão por oncologia e arqueologia, quis imediatamente olhar para o crânio em 2021, quando se deparou com a caixa que estava marcada com “cancro” no exterior. “Foi como um íman para mim”, disse.

Ele e os seus colegas cientistas colocaram o crânio [n.º 236, bem como o crânio da mulher] à frente das máquinas de exame [de TAC e microscópios] em Outubro de 2021. A tecnologia microscópica disponível nos anos 60 não tem comparação sequer com as câmaras digitais modernas, que conseguem fazer zoom “quase sem limites”, acrescentou o cientista. Teria sido “absolutamente impossível não vermos as marcas de corte”, disse.

Edgard Camarós quer agora estudar a genética dos cancros antigos a nível molecular para responder a questões sobre a forma como a doença pode ter mudado. Uma parte importante desse estudo é encontrar outras amostras que contenham ADN e identificar se havia cancro. “Se houver algum outro caso no futuro, ele será revelado por causa da tecnologia”, considerou.


Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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